AINDA O CASO DAS OFFSHORE
A recente polémica sobre a ausência de divulgação das estatísticas sobre as transferências efetuadas para contas domiciliadas em jurisdições de baixa tributação (as denominadas “zonas offshore”) tornou mais nítidas as diversas dimensões desta problemática e sobretudo o emergir de um novo padrão ético, social, político, com reflexos legislativos.
A dimensão ética reflete um novo padrão na condução dos negócios e a exigência de uma postura comercial compatível com uma dimensão social das empresas. A reputação deixou de estar apenas ligada à qualidade do que se produz ou vende, mas também no cumprimento de regras relativamente padronizadas em matéria de cumprimento de obrigações tributárias, proibição de pagamentos a terceiros fora de um quadro de estrita legalidade ou a própria política de gestão de recursos humanos e responsabilidade social. O sucesso não está apenas dependente da produção, mas na capacidade de estar alinhado com os próprios valores e dimensão social da empresa e sua interação com a comunidade. Os escândalos no Brasil ou com as emissões na indústria automóvel são um bom exemplo. A utilização indevida de contas bancárias em territórios que facilitem a evasão fiscal e o branqueamento de capitais passaram a estar sujeitos a censura social, com inevitáveis reflexos legislativos e políticos. O próprio planeamento fiscal agressivo – com abuso de formas jurídicas e/ou sem qualquer substância económica – passou a estar sob intenso escrutínio público. Neste quadro, aliás, passaram a ser utilizados mecanismos próprios de outras áreas do Direito – veja-se a matéria do quadro de auxílios de Estado, típico instituto do Direito da Concorrência europeu – para atacar práticas fiscais potencialmente abusivas, em que o caso Apple na Irlanda é um caso paradigmático. Entrámos numa nova era, aliás como anunciado pelo G20, que proclamou com a devida pompa e circunstância o fim da era do segredo bancário e fiscal.
Dimensão política
A dimensão política reflete o novo padrão ético de uma sociedade em plena crise do Estado social. A compressão de direitos, o agravamento da carga fiscal ou o elevado desemprego tornam inaceitável qualquer iniciativa política tendente ao favorecimento ou proteção de zonas cinzentas onde se possam desenvolver atividades económicas em pleno abuso das formas jurídicas ou se facilite o branqueamento de capitais ou financiamento de atividades ilegais. Para além da proliferação de normas anti-abuso em matéria fiscal – algumas bastante inoperantes – entrámos numa nova era de cooperação internacional, com a implementação a nível global de mecanismos de troca de informações em matéria fiscal e financeira – veja-se o FACTA (imposto pelos USA) ou os denominados CRS (Common Reporting Standards), um acordo global com mais de 100 Estados aderentes, o FACTA implica a troca automática de informação sobre a titularidade de contas bancárias e respetivos movimentos financeiros. Os CRS vão entrar em vigor no decurso dos anos de 2017 e 2018 e prometem revolucionar a fiscalidade internacional e alterar de forma significativa as práticas de compliance dos grandes grupos empresariais.
Dimensão inspetiva/repressiva
Na dimensão inspetiva/repressiva, o desafio consiste na capacidade das autoridades em gerirem tamanha quantidade de informação e desencadearem os competentes mecanismos de inspeção e investigação, seja na dimensão fiscal ou penal. Adivinha-se uma nova era no formato das inspeções, com maior recurso à tecnologia e informação proveniente de Estados terceiros. A própria formação dos quadros da AT deverá ser repensada, com necessidade de conhecimentos em matéria de Direito Internacional e mesmo de Direito Comunitário. É de esperar o consequente aumento da litigiosidade, um fenómeno preocupante no caso português dado o estado caótico e de saturação da justiça tributária. Aliás, um dos grandes perigos associados a este acréscimo dos mecanismos de fiscalização consiste precisamente na ausência de capacidade de resposta adequada por parte dos sistemas judiciais, com a inerente compressão intolerável dos direitos dos particulares. Vivemos tempos de muita incerteza, inclusive em matéria de construção europeia – onde estas matérias acabarão inevitavelmente por se colocar –, e mesmo de forte tensão entre os diversos blocos económicos com o emergir de uma nova política económica por parte da Administração Trump. Uma coisa é certa, o mundo mudou. Uma palavra final de parabéns à FRONTLINE e a toda a equipa pela sua persistência na manutenção de um projeto editorial independente e de inequívoco interesse pela transversalidade das matérias abrangidas. Parabéns revista FRONTLINE!