COSTA DEIXA SÓCRATES À PORTA E INCLINA PS PARA A ESQUERDA
O XIX Congresso do PS entroniza António Costa como líder e vinca a tendência de esquerda que o novo líder quer no partido. Maioria absoluta é o objetivo e coligações com a direita estão fora de questão.
A tarefa era difícil e, no primeiro dia do congresso socialista, António Costa sentiu bem o clima apático e pouco entusiasmado de um partido na sombra da prisão preventiva de José Sócrates. Mas no final, com um discurso de encerramento onde não faltaram as ideias concretas que tanto lhe têm exigido, o novo secretário-geral do PS mostrou que está no ringue para combater a direita que está no Governo e aproveitou para afastar qualquer hipótese de coligações futuras com PSD e CDS. Um “chega para lá” à direita que acabou por dividir um pouco as águas no partido, com Francisco Assis, por exemplo, a abandonar o congresso em protesto contra a “esquerdização” do PS. O eurodeputado, que muitos esperavam ver no Secretariado Nacional, acaba por se tornar agora o rosto da ala direita no partido. O velório político que muitos antecipavam para este congresso em pleno processo Marquês acabou por não se comprovar totalmente. É certo que as ordens para deixar o problema José Sócrates foram sendo cumpridas dentro da sala onde discursaram os congressistas, mas no exterior multiplicaram-se as declarações em direto para as televisões, os espaços de comentário e as conversas de bastidores sobre o tema e os efeitos que a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro terá para o PS nas próximas eleições legislativas.
No sábado de manhã, Costa foi o primeiro e talvez o único a falar do assunto no palco. Fê-lo para assumir o “choque brutal”, felicitou os socialistas pela “responsabilidade e serenidade que têm revelado ao enfrentar uma prova para que ninguém está preparado”, mas aproveitou para reforçar que é preciso ter “confiança no Estado de Direito e nos seus valores essenciais”. Para já, nos órgãos nacionais, António Costa procurou marcar pela renovação e por um núcleo da sua única e exclusiva confiança. Mesmo a chamada de Luís Patrão, ex-chefe de gabinete de Sócrates, não deu azo a grandes leituras políticas e o afastar de qualquer elemento ligado a António José Seguro acabou por lhe valer algumas críticas desta ala, mas deu um sinal para o exterior de que na direção máxima do PS quem vai mandar será exclusivamente a ala costista. Álvaro Beleza, na negociação com o novo líder da regra dos 30% para seguristas nas listas unitárias, sai um pouco fragilizado do conclave e das negociações com Ana Catarina Mendes. Costa não quis aplicar a regra no secretariado, afastando assim qualquer distúrbio no seio da sua direção política. João Galamba, Fernando Medina e até Sérgio Sousa Pinto são alguns dos novos nomes no secretariado nacional.
No dia em que foi entronizado pelo conclave socialista, António Costa quis vincar a marca ideológica que quer para o seu PS. E esse PS quer ser uma verdadeira “alternativa” ao atual Governo e não interessa quem seja o líder do PSD, até porque Costa tem um filho que se chama Pedro: “É um nome de que eu gosto. O problema não é ser Pedro ou ser Rui. É uma questão de políticas. E para prosseguir estas políticas não contem connosco.” Porque “pior para a democracia é quando há um empastelamento, quando é tudo farinha do mesmo saco”, o que ajuda a “alimentar os extremismos e os radicalismos que são, esses sim, uma ameaça à democracia”, acrescentou no discurso de encerramento. Parece assim posto de parte o tão ambicionado Bloco Central liderado por António Costa e Rui Rio, que muitos acreditam ser a única tábua de salvação para o país. O piscar de olho acabou por ser dirigido ao Livre, de Rui Tavares, a quem saudou a disponibilidade para “romper o bloqueio da incomunicabilidade à esquerda”. Garantiu: “Não excluiremos os partidos à nossa esquerda da responsabilidade que também têm de não serem só partidos de protesto.” O objetivo nas urnas, esse é outro: maioria absoluta, para que Portugal tenha “um Governo estável, com uma política coerente e uma ação política consistente”, lembrando até que o Presidente da República terá os seus poderes diminuídos (Cavaco estará em fim de mandato) para promover coligações e que por isso é urgente que fique tudo definido rapidamente após as eleições. No plano programático, Costa retomou ideias como o prolongamento do subsídio social de desemprego por seis meses ou a introdução de uma cláusula de salvaguarda para que o aumento do IMI continue a ser limitado. Falou também do IVA de caixa e deixou críticas à introdução do quociente familiar no IRS, sem que se tenha em conta a natureza da família. Comprometeu-se com uma estratégia assente na qualificação e com a prioridade à concertação social. Simbolicamente, voltou a deixar claro que quer a reposição do feriado do 1 de dezembro. Sobre a dívida, manteve o tabu sobre a sua reestruturação, mas falou “num novo equilíbrio” entre o que se gasta com a dívida e o que se tira aos pensionistas. Por definir ficou ainda o candidato presidencial do PS. As preferências continuam a apontar para António Guterres, mas na impossibilidade de ser o ex-primeiro-ministro, outros nomes se vão posicionando: Jaime Gama – que o Diário Económico dizia, após o conclave, que tinha feito saber a António Costa que não está disponível para voltar à vida política – ou o independente Sampaio da Nóvoa, um dos outsiders que discursou na FIL. No final, um momento simbólico, quando Costa interrompeu o discurso para passar o microfone à atriz Maria do Céu Guerra, que leu, com a sala do congresso em pé, os nomes das 34 mulheres vítimas de violência doméstica até ao fim de outubro último. Quando voltou a falar aos congressistas, Costa citou o Papa Francisco, lembrando que “política são as pessoas” porque a “dignidade da pessoa humana é o valor mais importante que tem de guiar a ação política”.