O ESTADO DEPLORÁVEL DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
O problema não é novo mas agrava-se de ano para ano, colocando em crise o funcionamento do Estado de Direito e as garantias dos contribuintes, isto num contexto de grande pressão sobre a receita e necessidade de obtenção de recursos públicos.
Parece claro que a dotação de meios da autoridade tributária não foi acompanhada do necessário ajustamento dos meios judiciais para assegurar as garantias de defesa de cidadãos e empresas. O resultado é o aumento das pendências judiciais – isto apesar da crescente relevância da arbitragem tributária, que já retirou dos tribunais tributários bem mais de 1500 processos – e a consequente denegação da justiça. Importa analisar alguns dados: em finais de 2015 estavam 53.510 processos tributários pendentes, um acréscimo de mais 10% de pendências, isto só em primeira instância. O acréscimo de pendências significa que o sistema judicial teve mais processos entrados que findos, aumentando o tempo necessário para a conclusão de todos os processos de 923 para 1019 dias. Seriam necessários três anos para terminar todas as pendências! Este número de pendências tem de ser resolvido por 141 magistrados, quando em 2013 ascendiam a 163, segundo dados publicados pelo Conselho Superior da Magistratura dos Tribunais Administrativos e Fiscais. As atuais pendências resultam num número médio de 379 processos por magistrado, um volume processual que inviabiliza a necessária ponderação, estudo e análise cuidada dos processos mais complexos. Importa recordar que a fiscalidade é um dos domínios do Direito que exige maior atualização e estudo, sendo inegável a progressiva complexidade da legislação, com a proliferação de normas anti-abuso ou mecanismos reforçados de troca de informações entre os Estados. É neste contexto de globalização da economia, volatilidade e sofisticação crescente das operações económicas que os nossos magistrados devem continuar a assegurar a tutela dos particulares e a correta arrecadação da receita do Estado, fazendo-o sem qualquer apoio técnico, em instalações muitas das vezes precárias – há tribunais judiciais a funcionarem em contentores – e constrangidos a emitir da sua pena centenas de despachos de mero expediente que podiam – e deveriam – ser assegurados por funcionários judiciais com um mínimo de formação qualificada para o efeito.
Estado real dos tribunais
Há tribunais à beira da rutura em termos operacionais. Por exemplo, em Braga entraram 3081 processos, tendo sido findos 2574, para um número total de pendências de 4007 processos. Em Lisboa, estavam a 31 de dezembro de 2015 pendentes 13.926 processos, no Porto 9205, em Sintra 6608. Não há sistema que resista a estes números. Nos tribunais superiores, a situação não é muito melhor pois estavam pendentes, no final de 2015, 7119 recursos divididos entre o Supremo e o Tribunal Central Administrativo Norte e Sul. Estes tribunais têm um quadro de 62 magistrados, sendo que em 2005 o quadro estava preenchido por 68 juízes conselheiros e desembargadores. A duração média dos processos subiu em 2015 para 16 meses, quando em 2013 era de 12 meses e em 2009 o prazo médio de decisão cifrava-se em nove meses. Perante este quadro caótico, para 2017, estão congeladas as admissões de novos magistrados. Quando se fala de despesa pública, reorganização dos serviços públicos, os tribunais deveriam estar na primeira linha das preocupações, pois que os atrasos na justiça constituem a denegação da justiça em si mesmo e uma compressão intolerável dos direitos dos cidadãos. É um Estado empobrecido e diminuído nas suas funções de soberania. Não há reforma da Justiça sem a reforma operacional do funcionamento dos tribunais. No caso da justiça tributária, este quadro é tanto mais incompreensível quanto os pouco mais de 1000 processos de valor acima de 1 milhão de euros representarem mais de 8 biliões de euros de receita fiscal a ser dirimida judicialmente. Quando se fala em competitividade fiscal, a justiça tributária deveria estar na primeira linha das prioridades políticas.
Sugestões a ter em conta
Vão aqui três ou quatro sugestões de fácil implementação: (i) criação de equipas permanentes de assessores técnicos dos tribunais, compostas por jovens licenciados em Direito, com a função de estudo prévio e preparação dos processos; (ii) atos de mero expediente a serem maioritariamente processados pelas secretarias judiciais; (iii) reforço do quadro de magistrados dos tribunais fiscais, apostando na sua formação intensiva com celebração de protocolos com universidades nacionais e internacionais; (iv) criação de secções especializadas dentro dos tribunais tributários, com alocação de magistrados a processos urgentes e processos de execução fiscal. O atual estado de coisas não pode continuar, tal como não se mostra aceitável a manutenção de uma política de interposição sistemática de recursos por parte da Fazenda Pública com o único intuito de protelar as decisões e atrasar os reembolsos aos particulares. O meu último caso consiste num recurso de um processo de IVA de 2008, no valor de cerca de 12 mil euros, do qual a Fazenda interpôs recurso quando bem sabe que a sua posição não irá obter vencimento, pois contraria frontalmente jurisprudência firmada do TJUE. Trata-se de uma litigância sistemática e nalguns casos no limiar da má-fé, uma prática tolerada pelos próprios tribunais e, no mínimo, ignorada pelo Ministério das Finanças. São estes os problemas que afetam os portugueses no seu dia a dia, minam a confiança no funcionamento das instituições e degradam a nossa democracia. Haverá um dia em que todos, enquanto sociedade, teremos de dizer BASTA!