CARLOS ZORRINHO

ZORRINHOPOLÍTICA DE MERCADO

Há alguns meses refleti, neste espaço, sobre a denúncia feita em França por investigadores e cientistas políticos que são, em simultâneo, comentadores e que nessa atividade conseguem visibilidade fundamental para financiar os seus projetos. Numa constatação que era também uma acusação, alguns desses profissionais afirmaram que o mercado estava a levar os mais voláteis a virar o seu discurso para as linhas populistas e nacionalistas mais em moda, para se manterem nos ecrãs ou nas páginas dos jornais e revistas de grande tiragem. Este movimento tem uma dupla perversidade. Algo que está na moda torna-se ainda mais central porque a maioria dos analistas segue a moda e assim a consolida e sedimenta, até à próxima estação. Nada disto é novo. O que é novo é que isto tenha chegado à “gestão da polis” e contaminado os processos de formação da opinião e da escolha democrática. Os estereótipos predominantes acabam por ser refletidos na ficção escrita, nas séries televisivas, nos filmes e nas reportagens, procurando agradar ao público e conquistar audiências. Os temas mais abordados são os que mais atraem os públicos generalistas, ávidos por escândalos, histórias de faca e alguidar ou de corrupção, ajudando as massas a consolidarem a ideia de que há uma culpa que os transcende, em tudo o que corre menos bem na sua vida ou na vida da sua terra ou do seu país, convidando à contemplação mórbida e à inércia, tão conveniente às forças dominantes. É verdade que continuam a existir muitos espaços de investigação, debate e comunicação em que a matriz dominante ainda não é a política de mercado e das audiências, mas a ética e o respeito pelos métodos científicos de análise. Mas esses espaços são espaços minoritários, muitas vezes atomizados pela sua maior complexidade e especialização, e portanto com menos capacidade de serem decisivos nos momentos das grandes escolhas democráticas. O cenário não é fácil e exige ação. Desde logo é preciso reforçar os “mercados alternativos”, ou seja criar redes de abordagens “minoritárias” para lhes dar consistência e viabilidade, criando ofertas alternativas igualmente visíveis, interessantes e competitivas no mercado da comunicação política. Em segundo lugar, é preciso continuar a apostar na educação e na qualificação das pessoas, quer na formação inicial quer na formação ao longo da vida. O conhecimento é o melhor antídoto à alienação e à manipulação dos grandes públicos. Finalmente, é preciso promover um debate aberto sobre as fragilidades da democracia tradicional face à emergência de novos modelos de comunicação global, instantânea, fortemente visual, pronta a consumir e com guião de interpretação incluído. Se a política se tornou também um produto de mercado, levemos ao mercado boa política, boas políticas e estratégias éticas e eficazes de comunicação. É um desafio difícil mas estimulante.