A advocacia na era digital
A Humanidade prepara-se, provavelmente, para enfrentar o maior desafio civilizacional perante os desenvolvimentos tecnológicos que se vislumbram e que poderão impactar de forma decisiva na forma como vivemos, trabalhamos ou mesmo lidamos com a vida e a morte. São desafios económicos, éticos, filosóficos e morais.
Depois da revolução industrial, do advento da internet que abriu as portas à globalização, está aí a revolução digital, a emergência da tecnologia, da inteligência artificial, da robótica ou do blockchain. Este movimento está em evolução galopante e não creio que possa ser travado. Muitos poderemos ser tentados a pensar que este novo mundo digital e tecnológico levará o seu tempo a ver a luz do dia, mas essa é uma visão enganadora. No setor automóvel, por exemplo, a cidade de Nova Iorque já dispõe de mais locais de carregamento elétrico do que bombas de combustível. As baterias elétricas já dispõem de autonomia superior a 600 quilómetros e em breve desaparecerão os automóveis a combustão. A indústria automóvel passará a disponibilizar serviços e experiências, abandonando o modelo de venda de bens de transporte. Parece inofensivo, mas é uma revolução exponencial que transformará todos os setores de atividade, seja a indústria automóvel, a distribuição, os cuidados de saúde, serviços de atendimento ou setores mais tradicionais como os serviços jurídicos. O advento de máquinas inteligentes e capazes de autoaprendizagem está aí. A IBM, Google e outras empresas tecnológicas estão a avançar rápido neste domínio e prevê-se que em 2025 todos os computadores ultrapassem a capacidade computacional do cérebro humano. E testes recentes evidenciam bem essa realidade.
Novas perspetivas
Nos EUA, 20 advogados com experiência foram convidados a analisar um acordo de confidencialidade e identificar os principais riscos para o cliente resultantes daquele documento. Em média, cada advogado demorou uma hora e trinta minutos para concluir a tarefa e teve uma percentagem de acerto de 85%. A mesma tarefa foi confiada a um computador dotado de inteligência artificial, que completou o mesmo trabalho em pouco mais de um minuto, com 94% de percentagem de sucesso. Assumindo um custo hora médio de 300 euros, um advogado custaria cerca de 450 euros para realizar uma tarefa que um computador pode fazer por pouco mais de 5 euros. Os computadores passarão a realizar um conjunto de tarefas de forma exponencialmente mais rápida e mais barata. E esta realidade chegará inexoravelmente ao mundo da advocacia e dos serviços jurídicos. Muito do trabalho humano hoje realizado – contratos, auditorias, pareceres – transformar-se-á em commodities com pouco valor acrescentado e integralmente realizado por computadores. Esta revolução digital transformará a indústria dos serviços jurídicos, onde se estima que 25% das tarefas realizadas por advogados possam ser integralmente realizadas por computadores. Os departamentos jurídicos das empresas transformar-se-ão, assim como as sociedades de advogados, que terão de acompanhar este movimento e realizar investimentos significativos em tecnologia. Os serviços serão mais rápidos, mais baratos e de melhor qualidade. Quem não se adaptar a esta nova realidade desaparecerá do mercado ou definhará. A advocacia do futuro será global – com eliminação progressiva de barreiras territoriais – multicultural, multidisciplinar e criativa. O trabalho será progressivamente direcionado para projetos, regulação, risco, estratégia, articulação de sistemas jurídicos, domínio da tecnologia, aumentando a cadeia de valor para os clientes.
O que reserva o futuro
Mesmo em atividades mais tradicionais como a litigância/contencioso, a arbitragem internacional crescerá exponencialmente e as pendências tenderão a diminuir, fruto do apoio da tecnologia e da digitalização. A formação dos jovens advogados, a começar nas universidades, terá rapidamente de adaptar-se a esta nova realidade. Inovação, criatividade, colaboração, serão palavras-chave na advocacia do futuro. Termino como comecei. O futuro está aí, e cada vez mais o segredo do sucesso está na capacidade de nos adaptarmos a novas realidades e desafios. Tentar parar este movimento seria tão inócuo como os movimentos de taxistas para travar a Uber. Com as manifestações destes últimos dias poderemos pensar que tal é possível, mas é uma ilusão de ótica, como tentar parar o vento.