Sentimento Europeu
Um destes dias, folheando o Político, jornal de atualidade europeia e internacional publicado semanalmente em Bruxelas, deparei-me com uma citação solta de Bono que me tocou particularmente. Dizia o famoso vocalista dos U2 que “a Europa é uma ideia que tem que se tornar num sentimento”. Num momento de enorme dificuldade para os ideais e para o projeto europeu, confrontados com a hostilidade da administração americana, com o crescimento dos apelos populistas, nacionalistas e desafiadores do Estado de Direito e com a aproximação de eleições decisivas para o Parlamento Europeu que servirão de base a um novo ciclo institucional, não podemos ter medo de confrontar a realidade, atualizar as políticas, modernizar as instituições e concluir as reformas de que a União Europeia necessita. Não podemos ficar atemorizados e amarrados a ideias que foram extraordinárias no seu tempo e construiriam o mais duradouro e bem-sucedido projeto de paz e liberdade de expressão de que a humanidade tem memória. A mudança e a adaptação aos novos tempos são uma condição de sobrevivência. Que isso se faça sob a proteção de um forte sentimento europeu também. Como intui Bono na frase em que o citaram, as ideias reconfiguram-se com menos dor se o sentimento de compromisso e participação estiver presente. A partilha de um sentimento comum de orgulho e pertença entre os europeus já conheceu melhores dias. As memórias das guerras e dos totalitarismos foram-se diluindo, a insegurança criada pela transição para uma sociedade tecnologicamente acelerada e global é crescente e as respostas europeias têm sido pouco ousadas nuns casos e incorretas noutros, aumentando o fosso entre os cidadãos e os decisores. A onda de mudança associada à fraqueza das respostas políticas dadas tem gerado um território fértil para o desânimo, o alheamento, o desenraizamento e a erosão da identidade de ser europeu, felizmente combatida por medidas emblemáticas como o programa Erasmus, que tem vindo ano após ano a amarrar cada vez mais jovens ao projeto comum que nos une. Existe hoje um risco acrescido. Ao publicar este texto numa plataforma tradicional e ao replicá-lo mais tarde nas plataformas digitais, estou também eu a contribuir para influenciar a perceção do que é o sentimento europeu, daquilo que pensa em interação a comunidade em que me insiro e daquilo que pensa em última análise a comunidade global. Claro que a influência concreta deste texto é mínima, mas seja a que for, exemplifica o quadro do combate que é preciso travar. A destruição do sentimento europeu é todos os dias uma missão consciente ou inconsciente de milhões de pessoas que definem e partilham visões sobre um modelo de realidade. A sua preservação tem que ser a missão de outros tantos. Neste pleito joga-se a paz e a liberdade. A essência e o sentido da existência. Boas lideranças são fundamentais. Boas políticas também. Mas o sentimento europeu em cada um de nós, ativo, participativo, crítico e mobilizado, fará toda a diferença.