UM NOVO MODELO DE GUERRA – Quando pensávamos que já conhecíamos todos os tipos de guerras, como guerras nucleares, biológicas, químicas, santas, de guerrilha, civis ou frias, eis que surge um novo tipo, que é a guerra de migrantes usados como arma contra a União Europeia. Alexander Lukashenko, no poder há 26 anos, uma vez mais forjou, nas últimas presidenciais de 9 de agosto na Bielorrússia, a sua própria vitória com 80% dos votos contra 10% da sua principal rival, Svetlana Tikhanovskaya, o que tem vindo a ser contestado pela oposição com múltiplas manifestações nas ruas, apesar da repressão das autoridades. A União Europeia também não reconhece o regime nem a legitimidade de Lukashenko, que é considerado como o último ditador europeu, pelo seu estilo de governo autoritário pró-kremlin, que conta com o forte apoio de Vladimir Putin, onde a liberdade de expressão é vigiada com uma situação económica caótica pontuada pela inflação, desemprego e desvalorização da moeda, para além da quase inexistência de investimento estrangeiro, com exceção do da Rússia.
PACOTE DE SANÇÕES – Recorde-se a aterragem forçada e ilegal de um voo da Ryanair em Minsk, a 23 de maio de 2021, que pôs em risco a segurança da aviação, devido à detenção, pelas autoridades bielorrussas, do jornalista Raman Pratasevich e de Sofia Sapega, que despoletou um quarto pacote de sanções da União, com a decisão do Conselho de impor a todas as transportadoras aéreas bielorrussas a proibição de sobrevoar o espaço aéreo da UE e de acesso aos seus aeroportos. As sanções económicas impostas incluem, por seu turno, a proibição de venda, fornecimento, transferência ou exportação direta ou indireta de equipamento, tecnologia ou software destinado principalmente à utilização na monitorização ou interceção da internet e das comunicações telefónicas, e de bens e tecnologias de dupla utilização incluindo uso militar. O comércio de produtos petrolíferos, cloreto de potássio e bens utilizados para a produção ou fabrico de produtos do tabaco também é afetado, sendo ainda o acesso aos mercados de capitais da UE proibido, nomeadamente na área dos seguros e resseguros. O objetivo destas sanções é, para já, bastante pueril porque visa pressionar os dirigentes políticos bielorrussos a iniciarem uma transição democrática pacífica, com a promessa de um plano global de apoio económico.
NOVA CRISE MIGRATÓRIA – Mas estas sanções só atiçaram a Bielorrússia a retaliar, com o objetivo de desestabilizar a UE, com um esquema inteligentemente maquiavélico, que foi o de trazer milhares de migrantes em situação de fragilidade, vindos sobretudo do Médio Oriente, como Iraque, Síria e Afeganistão, com o objetivo de os encorajar a entrar em território europeu.
Contudo, penso que ao contrário de minar a solidariedade europeia, este esquema migratório só a reforça, nomeadamente no caso da Polónia. Depois de anos a lutar contra as regras de solidariedade da União, nomeadamente no campo da migração, desafiando mesmo o direito europeu e o princípio do primado, a Polónia precisa agora da Europa e esta da Polónia. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, deslocou-se mesmo a Varsóvia para expressar toda a solidariedade do bloco europeu, o mesmo tendo acontecido com a NATO. Outros países como a Lituânia, Estónia e Letónia também condenaram este ataque por parte do regime bielorrusso, que representa uma ameaça à segurança europeia e que pode mesmo derivar para um confronto militar.
A GUERRA ENERGÉTICA – Porém Lukashenko não se ficou por aqui e tenta outra guerra, a energética, ao ameaçar interromper a passagem do gás natural para a Europa, com o corte de abastecimento através do gasoduto de Yamal, que transporta gás natural vindo da Rússia, passando pela Bielorrússia antes de chegar à Polónia e à Alemanha. Para se entender a dimensão da ameaça, basta dizer que um terço do gás natural que o bloco comunitário consome é proveniente da Rússia.
Esta verdadeira guerra que utiliza migrantes inocentes e frágeis, a juntar à guerra energética de Minsk, pode ter a virtualidade de unir os europeus que têm estado bastas vezes desavindos, em vez de os desestabilizar, nomeadamente em matéria de migrações. Nada como uma ameaça externa para unir os Estados no plano interno, o que se começa já a verificar a nível da União Europeia.