TIAGO MAYAN GONÇALVES

SALVAR O UTENTE NACIONAL DE SAÚDE – Se há política governativa que atrai paixões e atenções; que mobiliza recursos e retóricas; que transmite e representa linhas ideológicas de forma mais evidente; que pode fazer eleger e cair ministros e governos, é a política de Saúde. 

Sabemos que o atual Governo está neste momento, pela enésima vez, a tentar implementar novas (?) lideranças e um suposto novo (!?!) modelo, tendo em conta e aproveitando a talvez não esperada, mas seguramente inevitável, saída de Marta Temido do ministério. 

É, no entanto, bastante evidente, porque sai reforçado pelas escolhas feitas (entre ministro, equipa, estruturas, leis e regulamentação) e discurso assumido, que pouco ou nada mudará nas políticas do Governo para a Saúde. O próprio convidado para “CEO” da Saúde, Fernando Araújo, parece desconfiar que o atual estatuto possa trazer reais mudanças, protelando a sua aceitação do cargo. 

Mantém-se uma visão constrangedoramente redutora do que deve ser uma política pública para o setor; o ministério não é o Ministério da Saúde, mas antes o ministério de um serviço específico, o Serviço Nacional de Saúde.Dificilmente se imaginaria que o Partido Socialista adotasse, de repente, um paradigma renovado nesta matéria, mas, num momento em que esse serviço demonstrou e continua a demonstrar enormes incapacidades, esperar-se-ia uma flexibilização da implementação das políticas. No entanto, a miopia mantém-se. 

Temos de reconhecer enorme sucesso ao exercício da retórica nesta matéria; décadas de controlo da narrativa levaram a que, dentro e fora dos governos, no espaço mediático e nas perceções da população, se fizesse coincidir o conceito de Serviço Nacional de Saúde com o conceito de acesso universal a cuidados de saúde, não dando espaço a outras abordagens ou meios de conseguir, com sucesso, esse mesmo acesso universal. O chavão “Salvar o SNS!!!” é permanentemente lançado, quer como grito de batalha, quer como anátema sobre quem se atreva pensar noutras soluções. 

PROPOSTA LIBERAL PARA A SAÚDE – Há, no entanto, de facto, soluções e propostas para além do Serviço Nacional de Saúde. Muito recentemente, foi apresentada em livro uma dessas propostas (Uma Nova Lei de Bases para a Saúde – Uma Proposta Liberal, vários autores sob coordenação de Filipe Charters de Azevedo, Almedina), do qual se recomenda vivamente a leitura. 

Importa desde já desmistificar o que significa uma proposta Liberal para a Saúde. Como não podia deixar de ser, no nosso contexto, é uma proposta que visa e quer o Acesso Universal; ou seja, que o Estado crie as condições para que atodos os cidadãos, independentemente das suas condições ou circunstâncias (económicas, sociais ou de outra natureza), sejam prestados cuidados de saúde de qualidade e de forma atempada. A diferença essencial da proposta Liberal em relação à situação atual é que o centro para a determinação das políticas passa a ser o cidadão enquanto “cliente” e “beneficiário” dos cuidados de saúde; o foco é o Utente de Saúde. 

Nas políticas socialistas, assume-se um enfoque e uma abordagem proprietária dos prestadores de cuidados de saúde. A visão Liberal é, quanto a isso, radicalmente diferente, reproduzindo-se em princípios e políticas que, se aplicados, seriam a mudança necessária do sistema de saúde em Portugal. Então, como podem políticas centradas no Utente serem, de facto, tão transformadoras? Abordo só um aspeto, entre mais que poderiam ser considerados: liberdade de escolha associada a um financiamento que segue o Utente. 

ACESSO PÚBLICO A CUIDADOS DE SAÚDE – No que é o acesso público a cuidados de saúde, o Serviço Nacional de Saúde é (na prática) monopolista. A divisão não é, na verdade, entre público ou privado; a divisão é entre um serviço de prestação de cuidados de saúde estatal(detido pelo Estado Central) e todos os outros prestadores, não-estatais. No modelo atual, o Utente (aquele cidadão que quer ou só pode recorrer ao acesso universal) tem disponível exclusivamente o primeiro. O Utente só pode ir onde o Estado diz que ele pode ir, quando o Estado diz que ele pode ir; não há alternativa e, portanto, resta a sujeição do Utente. Listas de espera, serviços fechados, ineficiências de gestão, desperdício de recursos, dificuldade de atração e retenção de profissionais, etc., são consequências óbvias e inevitáveis de um sistema concebido desta forma, onde o financiamento é sempre garantido através do contribuinte e não do Utente. 

O sistema em Portugal tem ainda uma perversidade acrescida, que é o de ser marcadamente centralista e burocrático. O novo modelo tricéfalo da cúpula de gestão governamental da Saúde não parece augurar melhorias nesse aspeto. 

LIBERDADE DE ESCOLHA DO UTENTE – Já um sistema que se baseie na liberdade de escolha do Utente, financiando diretamente o ato médico ou o cuidado de saúde, independentemente de quem o preste, trará concorrência entre todos os prestadores (estatais e não-estatais). Esta é essencial não só para que se possa aproveitar toda a capacidade instalada no país, mas acima de tudo para garantir os estímulos corretos a que se garantam serviços de qualidade, eficientes na gestão de recursos eatempados. Mesmo no setor específico de prestadores de saúde detidos pelo Estado, há vantagens em garantir esses estímulos, potenciando uma muito maior autonomia, descentralização e flexibilização das abordagens de gestão e das respostas às necessidades. 

Há também uma razão moral para que se determine a liberdade de escolha na Saúde como um vetor incontornável: a dignidade do ser humano. Se reconhecemos uma esfera íntima e inviolável a cada um de nós, coartar ou impedir o exercício livre das nossas decisões é violar essa esfera. Decidir sobre a nossa saúde não é só consentimento informado ou optar por este ou aquele tratamento que seja disponibilizado. É também e acima de tudo, num mundo de extrema complexidade, decidir em quem queremos confiar para nos ajudar na nossa tomada de decisão; decidir quem é o “meu” médico. E poder mudar de ideias. 

Salvemos o Utente Nacional de Saúde! 

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