SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA

JCF_4529ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA UM NOVO PARADIGMA FISCAL?

A arbitragem tributária teve um início de vida difícil, enfrentando a resistência e desconfiança da Autoridade Tributária, dos profissionais do foro (advogados e magistrados) e até dos próprios contribuintes. Trata-se de um fenómeno compreensível, desde logo dado o pioneirismo da medida e o alcance do regime. Com efeito, tirando alguns casos pontuais e de âmbito bem mais restrito – vide USA, Brasil e a arbitragem a nível comunitário em temas de preços de transferência –, os litígios fiscais sempre ficaram na égide dos tribunais comuns. Princípios como a indisponibilidade da relação tributária, legalidade e proibição de analogia pareciam ser incompatíveis com um sistema de gestão privada da “coisa” pública. Da desconfiança inicial passou-se para a curiosidade e, hoje, podemos afirmar com segurança que a arbitragem tributária é um sucesso e uma fonte credível e indispensável de jurisprudência em matéria fiscal. Aliás, algumas das matérias e conflitos mais relevantes em matéria fiscal têm sido sucessivamente decididos em sede arbitral. Basta referir que é hoje pacífico que as decisões arbitrais são passíveis de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. As razões para o sucesso são fáceis de enumerar: (i) uma lista de árbitros muito credível; (ii) o cumprimento escrupuloso – em quase todos os processos – do prazo legal de decisão de seis meses (prorrogável por um período máximo de seis meses, um expediente raramente utilizado pelos árbitros); (iii) a qualidade técnica da generalidade das decisões; (iv) a informalidade e liberdade na produção de prova que norteia a arbitragem; (v) credibilidade do CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) e do seu conselho deontológico, gerindo com descrição e eficiência a nomeação dos árbitros e gestão de incompatibilidades. Podemos dizer, hoje, com segurança a um cliente que é possível ter uma decisão tecnicamente adequada e imparcial num prazo de seis meses. E é aqui que reside a introdução de um novo paradigma na relação tributária e na gestão da Autoridade Tributária. Com efeito, uma justiça lenta – por vezes mais de 10 anos para dirimir um litígio tributário – não só constitui uma ameaça ao Estado de direito, como não permite uma adequada gestão do risco pela Autoridade Tributária (e dos contribuintes) e, mais importante, a sua responsabilização pela realização de atos inspetivos ilegais e sem qualquer base legal. A arbitragem mudou este paradigma. Com decisões em seis meses, não só se permite a resolução dos conflitos dentro do mesmo exercício fiscal – com vantagens em termos de reporte financeiro e gestão do risco pelos contribuintes – como se termina com a vergonha de se manterem ativas garantias bancárias por prazo indeterminado. Mais, a emanação de orientações administrativas, despachos e atos inspetivos passa a estar sujeita a um escrutínio público e de efeito replicador. Veja-se o caso da aplicação da cláusula geral antiabuso, a qual foi sendo abusivamente utilizada pela Autoridade Tributária durante os últimos anos e que foi objeto de inúmeras decisões desfavoráveis ao fisco em sede arbitral. Com a arbitragem tributária veio a celeridade e com esta pôs-se fim à impunidade, e isso faz toda a diferença.