SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA

JCF_4529AINDA O CRÉDITO FISCAL DA SOBRETAXA IRS

Comecemos pelo início: a sobretaxa de IRS é uma entorse à progressividade do imposto e sendo transitória, manter-se-á em vigor pelo menos até ao ano de 2019. Trata-se de uma tradição legislativa muito portuguesa, os aumentos de receita fiscal de natureza provisória tendem a perdurar no tempo, muito para além da previsão inicial. Todos somos obrigados a contribuir para as ineficiências do setor público e de um Estado que consome boa parte da riqueza produzida. Aliás, se há tema mal resolvido nesta legislatura – uma oportunidade perdida, diria mesmo – é a reforma estrutural do Estado, o que pressuporia a reforma do sistema político e uma definição clara das funções do Estado a serem subsidiadas pelo esforço contributivo de todos os contribuintes. Dito isto, a criação de um crédito fiscal – a abater à coleta da sobretaxa de IRS a apurar em 2016 – em função da execução fiscal das receitas de IRS e IVA tem diversos méritos. O principal consiste em devolver aos contribuintes o excesso de receita cobrado pela máquina fiscal. Uma inovação, pois a tradição sempre consistiu em absorver a receita adicional para cobrir as derrapagens orçamentais. Chegados a este ponto, importa esclarecer alguns equívocos. Desde logo, não estamos perante uma manobra eleitoral de última hora. O crédito fiscal encontra-se previsto no artigo 191.º da Lei do Orçamento do Estado para 2015 e tem cabimentação orçamental. Sendo que não depende do equilíbrio orçamental, mas apenas da execução da cobrança de dois impostos, o IRS e o IVA, sendo o eventual excesso devolvido aos contribuintes. Importa analisar os números. Decorrido o primeiro semestre de 2015, verificamos que a cobrança de IRS está em quebra em cerca de 0,4%, ao passo que o IVA está a crescer 8%. Com base nestes cálculos, o Governo estima poder devolver 19% da sobretaxa, o que equivaleria a uma redução da sobretaxa de 3,5% para 2,8%. Com base nestes dados, não há razões para grandes otimismos. Com efeito, a receita de IVA apresenta um crescimento de 540M€ em 2015, face a 2014, dos quais 260M€ justificados pelo menor volume de reembolsos deste imposto. Por outro lado, o Orçamento do Estado previa um crescimento da receita de IRS de 2,4% e do IVA em cerca de 6,4%. Equivale isto a dizer que, na prática, a devolução da sobretaxa está neste momento dependente do IVA, cuja execução está empolada face à suspensão dos pedidos de reembolso. Com base nestes dados, o Ministério das Finanças estima que um casal com rendimentos brutos de cerca de mil euros possa ter um crédito fiscal em 2016 de cerca de 50 euros, ao passo que um solteiro com 1700 euros de rendimento terá um crédito de cerca de 88 euros. Talvez dê para um jantar e para aumentar o consumo interno em 2016. E se o PS ganhar as eleições, já sabemos que teremos um jantar mais faustoso com a promessa de redução do IVA na restauração. É a parte boa do verão, os novos amores e as promessas de fidelidade eterna morrem por norma na areia da praia.