SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA 

 

UMA NOVA AGENDA FISCAL GLOBAL. Os recentes comunicados do G7 e do G20 a propósito de um acordo global em matéria de tributação constituem, acima de tudo, um forte sinal político de uma nova agenda fiscal internacional. Se em 2009 foi declarado o fim da era do segredo bancário, 2021 poderá constituir um marco numa nova era da fiscalidade. O mundo poderá estar, de facto, a mudar. O acordo político alcançado assenta em dois pilares: por um lado, novas regras de territorialidade na sujeição a imposto por parte das multinacionais (Pilar Um), e por outro, uma tributação mínima global (Pilar Dois). Vejamos mais em detalhe cada uma destas propostas e alguns dos desafios que se colocam na União Europeia e nos USA.  

 Pilar Um – O PILAR UM visa, antes de mais, proceder a uma correta alocação das receitas fiscais, focando o nexo de sujeição no local onde são prestados os serviços e consumidos os bens (na era da economia digital e à distância), abandonando em parte velhos dogmas da fiscalidade internacional, como a residência fiscal ou a presença física numa dada jurisdição. Assim, para multinacionais globais com uma faturação acima de 20bi e uma rentabilidade bruta acima de 10%, prevê-se que uma parte da sua faturação em excesso (acima de 10%) seja alocada às jurisdições onde obtêm os seus rendimentos. Para este efeito, serão elegíveis jurisdições onde sejam obtidos mais de 1 M€ de receitas. Ficam excluídos deste regime os setores extrativos e os serviços financeiros, para alívio das grandes praças financeiras, a começar pelos USA e pelo Reino Unido. Naturalmente que são previstos diversos mecanismos de eliminação da dupla tributação, assim como mecanismos globais de resolução de conflitos. A arbitragem fiscal internacional será, em breve, uma realidade, estando prevista a entrada em vigor destas regras a partir de 2023.Mas existem alguns obstáculos, a começar pela tensão entre a EU e os USA, pois, o acordo político prevê a eliminação a nível global de todos os impostos unilaterais sobre serviços digitais (DST). Ora, a Comissão Europeia encontra-se a trabalhar num imposto digital comunitário com uma taxa de 0,3%, sendo esta uma das soluções para fazer face aos encargos da União para lidar com a pandemia. Por seu turno, os USA são frontalmente contrários a estas medidas, pois consideram as mesmas discriminatórias e uma ameaça para as suas multinacionais tecnológicas. Para já, a EU acordou em suspender os trabalhos sobre a DST comunitária até ao outono, sendo que na ausência de acordo político global, o imposto digital é mesmo para avançar. 

 Pilar Dois – Em relação ao PILAR DOIS, o mesmo consiste, numa formulação simplista, na imposição top-up de uma taxa de tributação global de pelo menos 15%, aplicável a multinacionais com uma faturação global de pelo menos 750 M€. Na prática, a taxa mínima permite ao Estado da residência estatutária da multinacional tributar os rendimentos obtidos e sujeitos a uma taxa de tributação efetiva abaixo do limiar de 15%. Com esta solução, a deslocalização de fontes rentáveis de rendimentos para jurisdições de baixa tributação passaria a ser ineficaz, redundando num esvaziamento progressivo das zonas de baixa ou nula tributação.  Também a este nível existem diversos desafios políticos, a começar pelos regimes especiais existentes na China para incentivar investimentos tecnológicos, ou a resistência na Irlanda e outras jurisdições europeias onde a taxa nominal é inferior a 15% (na Irlanda a taxa é de 12,5%), sendo que qualquer acordo em matéria fiscal exige unanimidade.  Por fim, não podemos esquecer os USA, um dos maiores interessados numa taxa global, pois que as suas regras em matéria de tributação de rendimentos passivos (Global Low Tax Income ou GTLI) colocam alguns desafios no que toca à potencial deslocalização de empresas americanas. Os desafios políticos e técnicos são imensos, sendo que em relação ao PILAR UM há quem recorde, por exemplo, que a Amazon tem margens inferiores a 10% e como tal ficaria fora das novas regras. Mas os sinais políticos estão aí e a maré parece de facto estar a encher e a mudar de rumo.  

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *