UM ORÇAMENTO PARA UMA MINORIA – A Proposta de Lei de Orçamento para 2022 não apresenta muitas novidades, como era expectável, aliás. Trata-se de um orçamento de continuidade, num contexto de incerteza, com pressões inflacionistas, uma anunciada subida das taxas de juro e ameaças ao crescimento da Europa em virtude da crise energética.
O Orçamento para 2022 traz algumas boas notícias. O crescimento será robusto, entre 4,9% e 5,8%, o saldo primário estima-se em 0,3% e o défice público em 1,9%, muito abaixo do teto dos 3% do Pacto de Estabilidade. A dívida pública desce para 120,8% do PIB, e as receitas fiscais continuam a crescer, sobretudo o IVA, alavancado numa inflação crescente, tendo este imposto crescido mais 24,6% neste primeiro trimestre face ao trimestre homólogo de 2021. E face ao orçamento chumbado em novembro, são mais 1,3 mil M€ de receita, sendo que teremos de aguardar pela conta do Estado de 2022 para aferir o impacto da inflação nas receitas fiscais.
Mas as boas notícias ficam-se por aqui. Este é um orçamento para todos aqueles que dependem do Estado, não respondendo aos desafios da falta de competividade e pobreza relativa em que vivemos. É um orçamento direcionado para a maioria que elegeu o Governo, mas que não serve os interesses da maioria do país. Não serve as empresas, os jovens, os empreendedores, a inovação, a poupança, a riqueza e a produtividade.
As más notícias
Vejamos as más notícias. A pressão fiscal mantém-se elevada, ainda que a receita estimada cresça abaixo do crescimento económico, colocando a carga fiscal em 35,1% do PIB. Trata-se de um indicador alinhado com a média europeia, mas desajustada face ao rendimento per capita disponível, o qual em final de 2020 ficava em 77% da média europeia, sendo que em 2021 Portugal desceu mais 2 degraus neste ranking, classificando-se agora em 21.º entre as 27 economias da EU.
Aliás, de entre os países da OCDE, Portugal foi o 2.º país com a maior queda do produto face a 2019, com um resultado agregado negativo de 4,1%. No índice de competitividade, estamos em 53.º lugar (entre 64 países) em política fiscal, 49.º em economia doméstica e 54.º em finanças públicas. Olhando para a taxa nominal de IRC (com derramas), temos a taxa mais elevada da OCDE, podendo chegar aos 31,5%. E olhando para as economias mais pobres da EU, o FMI acaba de estimar que Portugal será o 4.º país da União a crescer menos entre 2019 e 2027.
Há uma pergunta legítima. Então como cresce o país e temos contas públicas equilibradas? A resposta é relativamente simples. Consumo privado e Estado. E o efeito PRR, estimado em 1,3% do PIB. Mas em matéria de PRR, importa salientar que a fevereiro de 2022, dos 3,8 biliões executados, 99% foram direcionados para o Estado. A bazuca não é para o setor privado. O PRR alimentará mais Estado, mais dependência, maior controlo partidário. E continuaremos a ter mais funcionários públicos – já estamos em níveis pré-troika – e mais pensionistas.
Perpetuação do PS no poder
Trata-se da receita perfeita para a perpetuação do PS no poder, que compreendeu, e bem, que afastada a sombra do descontrolo das contas públicas, o Partido Socialista navegaria em águas seguras governando apenas para parte do país. Exemplo disto mesmo, o englobamento das mais-valias mobiliárias. Uma medida contraproducente e de pouca eficácia em termos de receita, mas bem vista pelo eleitorado de esquerda. Enquanto discutimos minudências fiscais – que apenas introduzem maior complexidade no sistema – os escalões de IRS não são atualizados face à inflação, e a justiça tributária aguarda há duas legislaturas por uma reforma.
Mas existem algumas migalhas que alimentam sound bytes. O pacote de IRS – em particular a criação dos novos escalões – implica uma devolução aos contribuintes de apenas 210 M€ e a eliminação dos Pagamento Por Conta, 10 M€. São 220 M€. A mitigação do impacto da crise energética custa 688 M€, ao passo que o reforço dos apoios sociais e subsídios e apoios a empresas custa 700 M€. Tudo somado, são cerca de 1,6 mil M€, sendo que 1,3 mil M€ são garantidos pelo efeito de crescimento adicional de receita, em parte à boleia da inflação. O resto da explicação vem da redução esperada do serviço de juros e da redução de despesa com a pandemia em 4,4 bi de despesa pública face a 2021.
A receita funciona. Equilíbrio decontas públicas – por via do corte do investimento público reprodutivo (agora compensado pelo PRR) – cativações e muita pressão fiscal sobre o trabalho, a riqueza, os setores em crescimento. A política de emprego é assegurada por via do Estado e turismo, ambos com salários baixos. Com 3,6 milhões de pensionistas e 730 mil funcionários públicos, 4,3 milhõesde eleitores dependem do Estado, sendo que 2,3 milhões de eleitores chegaram para dar a maioria absoluta ao PS.
É a democracia a funcionar, mas há que dar esperança à maioria silenciosa que há muito não acredita neste modelo e sistema.