O (DES)GOVERNODA GOVERNABILIDADE – Sou fiscalista, do Sporting, liberal na economia e na intervenção do Estado nas liberdades individuais, contudo, sou defensor do Estado social europeu, uma conquista do pós-guerra. Não há, contudo, liberdade, seja coletiva ou individual, sem riqueza e crescimento económico.
Vem este introito a propósito das próximas eleições legislativas e do que está em jogo para a sociedade portuguesa, em particular, o legado que pretendemos deixar para as próximas gerações. E o debate, ainda que mais marcado por clivagens ideológicas, está longe, parece-me, de responder aos desafios que enfrentamos. E esses desafios não são a estabilidade governativa em si mesma ou a governabilidade no quadro de um parlamento eventualmente fragmentado, mas o risco de desgoverno em função da insatisfação de parte significativa do eleitorado e incapacidade de darmos resposta aos anseios de uma população jovem mais qualificada e exigente. Creio que enfrentamos um sério risco de empobrecimento da democracia, com o ressurgimento de minorias radicais, seja à esquerda ou à direita do espectro político, com os inerentes riscos de fragmentação social.
EVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA – Com a previsível evolução demográfica – segundo estudo do INE, até 2080 o índice de envelhecimento duplicará, passando a haver 300 idosos por cada 100 jovens, com uma perda de população ativa de mais de 2 milhões de pessoas –, a pressão sobre o regime da Segurança Social e o SNS é mais que evidente. E teremos que gerar riqueza que permita sustentar o Estado social. Discutir neste contexto a prisão perpétua, descidas pontuais no IRS ou IRC, ou a reposição de direitos laborais, é uma discussão inócua e espúria numa sociedade em forte transição digital, energética e laboral. Aliás, a ausência de debate sobre estes temas mostra a desadequação dos atuais modelos de representação democrática, em que os eleitos representam, apenas, uma parte dos eleitores, o que se reflete nas taxas elevadas de abstenção, em torno dos 50%. E um bom ponto de partida para inverter este problema, poderia passar pela monitorização da execução dos programas eleitorais de cada governo, permitindo um exercício de escrutínio efetivo dos representantes perante seus representados.
INDICADORES ECONÓMICOS – Dito isto, importa revisitar alguns indicadores económicos dos últimos 20 anos, em pleno século XXI. Neste período, o PIB real per capita cresceu apenas 0,6%, ao passo que a dívida pública passou de 54% do PIB para 135% (117% antes da pandemia). Neste mesmo período, o país passou de 34.ª economia para 45.ª em PIB per capita em paridade de compra, sendo que em matéria de produtividade por hora trabalhada, passamos do 17.º lugar na EU para o 21.º, com 23,8€ gerados por hora face aos 35,7% da média da EU. Não obstante a perda relativa de produtividade, o SMN cresceu 30% nos últimos cinco anos, representando cerca de 65% do salário mediano, isto num país que tem os salários mais baixos da Europa Ocidental, mas dispõe da sétima carga fiscal mais elevada sobre os rendimentos do trabalho. Por falar em fiscalidade, Portugal está em 53.º lugar entre 64 países em matéria de política fiscal, sendo o 4.º menos competitivo da EU, 3.º menos competitivo para as empresas segundo estudo da Tax Foundation. E por falar em salários, 72% dos jovens ativos recebem menos de 950€ líquidos de salário, sendo que 1/3 planeia emigrar. E olhando para o rendimento disponível das famílias em percentagem do PIB per capita, o mesmo passou de 69,6% em 2001 para 66,9% em 2019. Neste período, em que a dívida pública mais que duplicou, a taxa de poupança passou de 8,8% para 4,9%, sendo que o PIB per capita passou de 81% da média europeia em 2001 para 77% em 2020, conforme dados da Pordata. De igual modo, Portugal é dos países com menos competências digitais e de liderança, ocupando os 28.º e 22.º lugares, respetivamente, na EU.
EMPOBRECIMENTO PROGRESSIVO – O que podemos concluir destes dados é que o modelo económico seguido nos últimos 20 anos tem conduzido ao empobrecimento progressivo – absoluto e relativo – do país, sendo insustentável a manutenção deste caminho sem comprometer as prestações sociais. Para inverter este estado de coisas, teremos de crescer bem acima da média europeia e do crescimento nominal da despesa. E neste contexto, vale a pena discutir a justiça, a reforma da administração – incapaz de responder aos desafios de uma sociedade em transformação –, a reforma do sistema fiscal, a digitalização ou o investimento na inovação. Soluções antigas para novos problemas dificilmente inverterão este rumo.
Não sendo um adepto da flat tax da IL, não posso deixar de olhar com inveja para a Irlanda – com taxas robustas de crescimento – e um sistema fiscal com apenas dois escalões de rendimento (20% e 40%) e taxas de crescimento e desenvolvimento humano das mais elevadas da OCDE. Podemos discutir a ideologia, mas não haverá liberdade sem crescimento económico. Com este nível de empobrecimento coletivo, temo bem que este seja o verdadeiro tema da governabilidade do país.