SAMUEL FERNANDES DE ALMEIDA

TEMPOS DE CRISE – Nada ficará igual. Dificilmente o mundo ficará igual depois desta crise sanitária e de saúde à escala global. O COVID-19 é mais que uma pandemia, é um terramoto que colocará à prova os valores, modelos e a sustentabilidade das sociedades democráticas. Miguel Poiares Maduro fez recentemente um ótimo retrato dos desafios que se colocam aos modelos democráticos face às tentações do populismo, dos nacionalismos e, em última instância, do ressurgimento dos poderes autoritários. Estando a pandemia neste momento concentrada na Europa – com milhares de mortos em Itália, Espanha e França – uma eventual incapacidade de resposta eficaz das democracias plurais e liberais poderá desencadear uma forte reação de um eleitorado desgastado e insatisfeito com a resposta dos modelos tradicionais de representação política. Esse é um risco que teremos de ter presente. 

Paralisação de vários setores – Do ponto de vista económico, é difícil antecipar a totalidade dos impactos, mas parece evidente que a paralisação de vários setores tradicionais de atividade – turismo, aviação e por arrasto a construção civil – implicará uma recessão a nível global com diversas falências e um aumento do desemprego. A dimensão da crise dependerá em larga escala da capacidade de contenção da epidemia, contudo, estou convencido que a confiança dos consumidores demorará largos meses a ser reposta com impacto natural no investimento. Portugal, cujo modelo económico está especialmente alavancado no turismo, terá desafios exigentes pela sua frente. Mas é, igualmente expetável, um reposicionamento dos consumidores, aderindo a movimentos iniciados no Norte da Europa e direcionados para consumos mais moderados e responsáveis. É de admitir que a taxa de poupança possa incrementar, com menos viagens de lazer, menos consumo de bens duradouros e de luxo.  

Alteração de paradigma – Esta crise de saúde acelerará os movimentos em torno das alterações climáticas, criando uma força motriz para uma alteração de paradigma. O mesmo se passará com a organização e modelos do trabalho, com um crescimento exponencial do trabalho à distância, do teletrabalho e de modelos de maior flexibilidade, libertando postos fixos e reduzindo os custos com instalações. Esta crise vai ao encontro dos anseios de muitas gerações de trabalhadores, sendo expetável que as empresas reforcem o investimento em tecnologia e ferramentas de trabalho à distância. Uma decorrência do período que vivemos, uma mitigação futura do risco e uma resposta a tendências preexistentes para maior flexibilidade e maior tempo para a família. Vamos trabalhar de forma distinta, vamos certamente viajar menos e vamos consumir de forma mais responsável. O COVID-19 é um acelerador exponencial de transformações que já estavam em curso. No mesmo sentido, vários setores tradicionais terão de se readaptar e reinventar, pois teremos um crescimento exponencial da nova economia ou da economia digital, com mais compras à distância e mais serviços de componente tecnológica. Uma tendência que estava em curso e que se acentuará nos meses que se seguirão a esta crise. 

Modelo de tributação – Do ponto de vista fiscal, os Estados serão obrigados a obter um consenso até final deste ano sobre a tributação digital, acordando num modelo de tributação não mais baseado no local onde se encontra sediada a sede das empresas, mas sim nos territórios onde estas obtêm os seus lucros e onde na maior parte das vezes não têm qualquer presença física. Do estabelecimento estável baseado numa instalação fixa e permanente evoluiremos para o estabelecimento estável digital. No imediato, iremos assistir a uma forte reação dos sistemas jurídicos, com impacto nos conceitos de força maior, justa causa e alterações nos modelos contratuais – seguros, relações laborais, contratos de fornecimento, interrupção de serviço, etc. É um mundo novo que se adivinha, mas devemos preparar-nos para vários meses de provação, com uma crise de saúde pública seguida de uma recessão económica com impacto nas contas públicas, no desemprego e no investimento. Não é uma pandemia, mas sim um pandemónio.