POR UMA POLÍTICA FISCAL CONSISTENTE
A principal função do sistema fiscal é a arrecadação de receitas que satisfaçam as necessidades do Estado. Esta realidade muitas vezes esquecida terá de ser tida em conta na próxima legislatura. Com um peso de cerca de 90% do total das receitas anuais do Estado, um aumento da despesa pública apenas poderá ser financiado por mais impostos ou mais endividamento – isto mesmo num cenário de acréscimo do consumo interno, o qual terá de ser financiado externamente por via de desequilíbrio da balança corrente de pagamentos. O caminho é estreito e uma alteração substancial da política fiscal deve ser objeto de grande ponderação. Com a taxa marginal do IRS mais elevada da EU e com 50% da população sem pagar este imposto, não se vislumbra (pelo menos de forma evidente) como será introduzida maior progressividade no imposto, nem se entende a crítica à introdução do quociente familiar. Aliás, sempre se disse que a sua introdução responde a um comando constitucional, bem como a reposição das deduções à coleta. As taxas de IVA são das mais elevadas a nível comunitário e não podemos continuar a centrar o debate político no tema do IVA sobre a restauração, pois a esse nível temos muitos outros setores económicos com legitimidade para reclamar um tratamento idêntico (cultura, desporto, etc.). Em sede de IRC, reverter a reforma de há dois anos – a qual obteve o acordo político do PS, recorde-se – seria um erro estratégico, pois minaria a nossa credibilidade internacional e seria um retrocesso no nosso posicionamento como potencial plataforma de investimento internacional em diversos setores económicos em que temos evidentes mais-valias, nem que mais não seja em termos geográficos (portos, indústria naval) ou geopolíticos (investimentos nos PALOP). Num outro plano, Portugal não pode perder as suas vantagens competitivas, seja a nível de tributação sucessória ou no regime de residentes não habituais. A conjugação destes dois regimes tem permitido a captação de muito investimento. O exemplo francês não pode ser ignorado, pois o capital não tem cor política ou ideologia. E uma política fiscal marcadamente ideológica é um luxo que o país não se pode permitir face à nossa dimensão e escassez de capital. Realismo, consistência e credibilidade devem marcar a nossa atuação nos próximos anos. Claro está que não podemos nem devemos ignorar que o enorme aumento de impostos desta última legislatura cavou mais fundo o fosso entre a tributação dos rendimentos de trabalho e pensões face a outros tipos de rendimento. Essa tendência, noutro contexto social e económico, deve ser mitigada e combatida, contudo, exige-se responsabilidade na manutenção de uma política fiscal consistente e que permita ao país continuar a galgar posições em termos de competitividade fiscal internacional.