EFEMÉRIDES DESPORTIVAS – Fenómenos dos anos bissextos. Já repararam bem nos fenómenos dos anos bissextos? Plenos de feitos desportivos, chegamos a 2020 e… nada de nada e zero de tudo. Mas como? Se é ano de Europeu, Copa América e Jogos Olímpicos? Com caracóis à mistura, que beleza. Pois, é verdade. Só que aparece o coronavírus… Em 1972, Gerd Müller marca a espantosa marca de 85 golos, entre Bayern Munique e seleção alemã. Em 1976, durante a final do Euro, o génio de Panenka eleva-se mais que outro qualquer e marca um penálti diferente – em vez de rematar para um lado, pica simplesmente a bola para o meio da baliza; o guarda-redes, pobre coitado, atira-se para um dos lados e assiste à consagração alheia sem poder fazer o que quer que seja (vitória da Checoslováquia sobre a RFA).
Década de 1980 – Em 1980, a UEFA designa pela primeira vez um árbitro português para a final da Taça dos Campeões Europeus e a honra cabe ao leiriense António Garrido como homem do apito no Nottingham Forest 1 – Hamburgo 0. Em 1984, a seleção portuguesa estreia-se numa fase final do Europeu e atinge as meias-finais (um fenómeno em toda a linha, se tivermos em atenção a quantidade de treinadores de campo: nada menos nada mais que quatro, com Fernando Cabrita a liderar a armada). Para se ouvir o hino, é preciso esperar por uma determinada madrugada de agosto e vibrar com a vitória do trintão Carlos Lopes na maratona olímpica em Los Angeles. Em 1988, a Holanda ganha a sua única competição da história, um Europeu sem 0-0 nem expulsões (nunca visto, jamais repetido) e um golo inacreditável de Van Basten vs Dasaev na final em Munique. Passam-se três meses e eis-nos em Setembro para nos deliciarmos com o ouro olímpico de Rosa Mota na maratona de Seul.
Década de 1990 – Em 1992, a UEFA suspende a Jugoslávia do Europeu por culpa da Guerra dos Balcãs e entra a Dinamarca à última hora. Surpresa das surpresas, é mesmo a Dinamarca a levantar a taça, depois de eliminar França (fase de grupos), Holanda (meia-final) e Alemanha (final). Em 1996, Portugal regressa a Inglaterra 30 anos depois do Mundial-66 e limpamos o grupo D em primeiro lugar, com duas vitórias e um empate. Nos quartos, cabuuuum. Um chapéu de aba larga de um checo sem cobertura trama-nos. É ele Poborsky, o autor do genial movimento, com alguma sorte nos ressaltos à mistura. Calma, muita calma nessa hora, Portugal seca as lágrimas e volta a sorrir com o ouro olímpico de Fernanda Ribeiro nos 10.000 metros. Em 2000, há uma série de incidências do arco-da-velha: JVP sai do Benfica e assina pelo Sporting, Figo troca Barcelona por Real Madrid e Portugal repete a saga de 1984 com a chegada à meia-final do Europeu, novamente eliminado pelo número 10 da França (antes Platini, agora Zidane). Como se isso fosse pouco, o Sporting é campeão nacional e acaba com uma seca de 18 anos.
Década de 2000 – Em 2004, Rehhagel volta a festejar na Luz, depois de ter conquistado a Taça das Taças pelo Werder Bremen em 1992 (ano bissexto, lá está). O alemão é o selecionador da Grécia e comete a proeza de eliminar a insossa França, a frenética República Checa e o anfitrião Portugal. Pimpampum, toma lá disto. Uma adenda, só: o FC Porto de Mourinho é campeão europeu com o explícito 3-0 ao Mónaco na final de Gelsenkirchen. Em 2008, Nélson Évora salta mais longe do que qualquer outro no triplo salto dos Jogos Olímpicos em Pequim. É o ouro, o quarto e (até agora) último do nosso país. Já Ronaldo salta meio metro mais alto que Essien e cabeceia para o golo de Cech no Manchester United-Chelsea. É o primeiro português a marcar numa final da Taça dos Campeões. Calma lá, o primeiro depois de Jaime Graça no Manchester United-Benfica. Quando? Em 1968, ora essa. Outro ano bissexto.
Década de 2010 – Sempre a dar-lhe. Em 2012, Pedro Proença é o primeiro árbitro português a acumular finais da Liga dos Campeões (Bayern-Chelsea em Munique) e Europeu (Itália-Espanha em Kiev). Em 2016, Portugal acumula três empates na fase de grupos do Europeu e festeja a qualificação para os oitavos-de-final. No outro jogo do grupo, a Islândia marca à Áustria nos descontos e empurra a seleção de Fernando Santos para a parte mais inofensiva do quadro do mata-mata. Afastamo-nos irremediavelmente até à final de Espanha, Itália, França e Alemanha. Apanhamos Croácia, Polónia e Gales. Fácil mais fácil não há. Na final é que são elas. A França, anfitriã. Ronaldo lesiona-se na primeira parte e Rui Patrício evita dois golos de Griezmann. Nos descontos, o poste salva mais um golo, agora de Gignac. No prolongamento, o suplente Éder faz magia e estamos no céu.
Ano 2020 – Em 2020. Sim, e em 2020? Errrrrrr, nada. Em 2020, nada de nada e zero de tudo. Mas como, é ano de Europeu, Copa América e Jogos Olímpicos? Com caracóis à mistura, que beleza. Pois, é verdade. Só que aparece o coronavírus. Primeiro na China, em dezembro. Depois em todo o mundo, a partir de janeiro. Acabou-se a papa doce, clausura total. Ou não. Numa primeira instância, ainda há organizações teimosas, como a UEFA, com tiques de inconsciência xxl ao ponto de propor novas datas para as suas competições. O COI é pior, bem pior, e insiste, durante quase um mês, na teoria de que tudo está bem para os Jogos Olímpicos de Tóquio, previstos para o fim de julho. Enfim, é a tragédia do absurdo. Quando o assunto da COVID-19 se torna uma tristíssima realidade à escala global, o COI recua por fim e adia os Jogos Olímpicos para 2021. Como a UEFA em relação ao Europeu (em 12 países) e a CONMEBOL à Copa América (em dois, Argentina e Colômbia). Este inevitável ajustamento do calendário futebolístico é transportado para todos os outros desportos. E apanha por tabela alguns atletas de eleição, como Tom Brady (futebol americano), Stephen Curry (basquetebol) e Michael Phelps (natação), com atrasos nos pagamentos dos royalties por parte da marca Under Armour. Porque a paragem brusca e sem fim à vista promove buracos gigantes na economia, até de empresas estáveis. Da crise desportiva à financeira é um passo. Por conta da pandemia, há fabricantes de material desportivo a pedir às estrelas patrocinadas uma revisão dos seus contratos ou, então, o pagamento do seu cachet em ações em vez de dinheiro.
Por tudo isto, o ano bissexto 2020 também é um fenómeno. Para o mal. Que regresse o bem em 2021.