RICARDO SÉRGIO LIMÃO

A ECONOMIA DO CONTENTOR – Em 2020 vivemos tempos únicos, céus sem aviões e cidades sem trânsito, no entanto o comércio marítimo, apesar de brutalmente afetado, não parou, fomentando a atividade de shipping. Sob a influência de vários fatores, a “Economia do Contentor” tem contribuído em larga medida para a escalada dos preços, com alterações significativas nos hábitos de consumo.

Muito se tem falado nesta fase, ainda pandémica, na crise energética, mormente no que concerne ao aumento exponencial dos custos com aquisição de eletricidade, gás e combustíveis, sendo certo que quaisquer dos referidos fatores constituem naturalmente importantes elementos no custo de produção. Em 2020 vivemos tempos únicos, céus sem aviões e cidades sem trânsito, no entanto o comércio marítimo apesar de brutalmente afetado não parou e aparentemente ganhou a sensação de que afinal há cerca de 450 anos, Nicolau Copérnico não tinha razão, “pois o mundo não gira em torno do sol, gira em torno do shipping”. Exagero à parte e apenas para mera reflexão, um contentor de 40 pés custava, antes da pandemia, cerca de 1500 USD, atualmente o mesmo contentor custa cerca de 18.000 USD (preço FOB). E em pleno 2020 o mundo confinou, tendo as vendas online aumentado exponencialmente. Paralelamente foi amplamente visível o movimento de voos sanitários e cargas marítimas de material sanitário para fazer face à crise pandémica e assistimos incrédulos a verdadeiros saques estatais sobre encomendas efetuadas por países terceiros de material médico.
No ano de 2020 as importações de mercadorias em Portugal totalizaram 55,5 milhões de toneladas, sendo que 32,3 milhões de toneladas foram efetuadas por via marítima, o que representa 58,1% da quantidade total de mercadorias importadas. A correria decorrente da necessidade de aquisição de material de proteção colocou-nos numa situação de fragilidade coletiva à escala global, contudo, esse sentimento de coletividade deixou um amargo de boca relativo à própria fragilidade da economia global, a saber, da sua essência e natureza!

A MÃO INVISÍVEL – Naturalmente podemos pensar que os mercados se autorregulam de acordo com a teoria de Adam Smith na sua obra escrita em 1759, Teoria dos Sentimentos Morais, que deu origem à teoria económica da “mão invisível”, que será o mesmo que dizer ao invocar a interferência natural que o mercado exerce na economia, e segundo o autor, se a economia for livre, sem intervenção alguma de órgãos externos ou do governo, ela irá regular de forma automática, como se houvesse uma mão invisível por trás de tudo, fazendo com que os preços dos produtos fossem ditados pelo próprio mercado, conforme a sua necessidade! Passados 263 anos sobre a referida teoria, o que se constata é que apesar da refutação e combate pelos estados a essa mesma teoria, no que concerne à atividade de shipping no comércio global, a “mão” é efetivamente invisível!

ESCALADA DE PREÇOS – Vários fatores explicam esta escalada de preços no comércio marítimo de carga contentorizada, mas pelo menos três fatores são facilmente escalpelizados. O primeiro é o peso da República Popular da China na economia global, pois encontra-se posicionada na liderança do maior país exportador do mundo. Em consequência verificou-se um défice de contentores na China decorrente do exponencial volume de transações marítimas contentorizadas, que na prática representou que toda a carga exportada e desalfandegada colocasse os referidos contentores vazios em parques por ausência de movimentos de exportação significativos para a República Popular da China (movimentação natural dos contentores), o que gerou falta de contentores na China. Só o porto de Changai, em 2019, líder dos principais portos mundiais, movimentou cerca de 43 milhões de Twenty-Foot Equivalente Unit (contentores de 20 pés) e no Top Ten dos principais portos do mundo a China detém sete portos, ocupando o porto de Roterdão a 10.ª posição. Segundo o instituto de estatística europeu, em 2019 a UE exportou 198 mil milhões de euros para a China, enquanto da China viajaram mercadorias no valor total de 362 mil milhões de euros, fazendo com que o défice comercial ascendesse a 164 mil milhões de euros. Em segundo lugar, estamos todos a assistir à crise energética mundial, com escalada de preços nos combustíveis, sendo que, e apesar de esse fator naturalmente ter influência no custo do transporte por via marítima, esse mesmo aumento deveria resultar num impacto em média de 10%, não sendo esse fator preponderante para o aumento de mais de 10 vezes do preço do contentor. Finalmente, o terceiro fator, a especulação!
Como qualquer atividade, o shipping não deixa de ser uma operação comercial sujeita a especulação, como tal, visa a obtenção de lucros exagerados ou pouco legítimos em função das necessidades dessa atividade.

AUMENTO DA INFLAÇÃO – Voltando à teoria da Mão Invisível, naturalmente todos nós acreditamos que os preços da carga contentorizada mais tarde ou mais cedo serão naturalmente corrigidos, mas, entretanto, enquanto não forem corrigidos iremos sofrer certamente um aumento da inflação que representa um aumento contínuo e generalizado dos preços de bens e serviços. Ora, a “Economia do Contentor” tem contribuído em larga medida para a escalada dos preços que se refletem no cabaz médio de compras das famílias, decorrente desta fase pandémica com alterações significativas de hábitos de consumo que canalizaram os gastos relacionados com a vida em casa. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística publicados em fevereiro de 2021, as idas dos portugueses ao supermercado pesaram, em 2021, 22,4% do cabaz de compras, quando antes da pandemia se fixavam em 19,9%.
Em suma, será expectável que no decurso do ano 2022 venhamos a verificar alterações na economia global que poderão passar pela subida das taxas de juro. Em novembro de 2021, a inflação anual na zona euro atingiu 4,9%, a taxa mais elevada desde o início da série, em 1997, de acordo com os dados do Eurostat, e nesse sentido o Banco Central Europeu estará já em sobreaviso, pois de acordo com Martins Kazaks, Governador do Banco Central da Letónia e membro do Conselho de Governadores do BCE: “Flexibilidade é a palavra-chave. Se for necessário, estamos prontos para aumentar as taxas de juro e cortar os programas de compra de ativos.”

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