OS PRODUTOS INTELIGENTES E ECONOMIA CIRCULAR: A NOVA VANTAGEM COMPETITIVA DA INDÚSTRIA EUROPEIA
Numa Europa confrontada com escassez de recursos, aumento da regulação ambiental e forte concorrência internacional, as empresas que souberem reinventar os seus modelos de produção e consumo estarão na linha da frente da nova economia.
A sustentabilidade já não é apenas uma exigência ética ou ambiental. É o novo alicerce da competitividade industrial. Estima-se que, todos os anos, mais de 10 milhões de toneladas de mobiliário são descartadas na União Europeia, na sua maioria para aterro ou incineração. O projeto Cir4Fun, financiado pela Comissão Europeia no âmbito do programa Horizonte Europa, destaca-se como um farol de inovação e visão estratégica, ao propor uma abordagem transformadora para o setor do mobiliário, um dos mais relevantes em termos de emprego e valor económico no espaço europeu, mas também um dos mais intensivos em recursos e desperdício.
Deste modo, a Europa pretende mudar o paradigma atual e provar que é possível conciliar rentabilidade com circularidade, através de três grandes eixos: estratégias de ecodesign, passaportes digitais de produto e modelos de negócio sustentáveis, que reconfiguram toda a cadeia de valor.
No centro desta revolução está o Passaporte Digital de Produto (DPP), uma solução tecnológica que acompanhará cada produto ao longo de todo o seu ciclo de vida, agregando dados sobre materiais, origem, durabilidade, impacto ambiental, instruções de reparação e reciclabilidade. Este passaporte digital permitirá uma nova era de transparência, capacitando consumidores, empresas e administrações públicas a fazerem escolhas mais sustentáveis e informadas. Paralelamente, está a ser desenvolvido o Furniture Assessment System (FAS), um sistema de avaliação de sustentabilidade que integra indicadores ambientais, sociais e económicos, suportado por metodologias avançadas de Análise do Ciclo de Vida (LCA), custo (LCC) e impacto social (SLCA). Esta abordagem permitirá às empresas medir com rigor o desempenho dos seus produtos, compará-los com benchmarks e comunicar esses resultados através de rótulos ambientais acessíveis.
Integração de inteligência artificial generativa
Mas a ambição vai mais longe, com a integração de inteligência artificial generativa para apoiar o processo criativo e técnico de design de produto. Modelos baseados em LLMs (Large Language Models) são treinados com conhecimento técnico e normativo para sugerir alternativas sustentáveis em tempo real, oferecendo apoio aos designers e engenheiros na fase mais crítica da criação, onde se decide até 80% do impacto ambiental de um produto. Complementando esta transformação digital, aposta-se em novos modelos de negócio baseados em serviços, como o conceito Furniture as a Service (FaaS). Assim, em vez de adquirir mobiliário, os clientes poderão também utilizá-lo sob contrato, com manutenção, renovação ou devolução integradas. Este modelo baseado na utilização em vez da posse prolonga a vida útil dos produtos, reduz o desperdício e permite uma relação contínua com o cliente, transformando a sustentabilidade numa vantagem comercial. A confiança na cadeia de valor é assegurada por tecnologias de blockchaine contratos inteligentes, garantindo rastreabilidade, segurança e interoperabilidade dos dados partilhados. A criação de uma infraestrutura europeia de dados, a Furniture-X, permitirá ainda a integração desta visão com outras indústrias e setores regulados, reforçando a soberania digital da Europa.
Esta iniciativa agrega conhecimento técnico, visão empresarial e compromisso com o impacto, num modelo operacional que é inovador para o futuro da indústria europeia, com potencial para ser replicado noutros setores críticos como a moda, os eletrodomésticos ou a construção. Portugal assume um papel central neste esforço europeu. Com um consórcio de 22 entidades europeias de referência e coordenado no nosso país pelo Centro de Tecnologia e Sistemas do UNINOVA CTS/GRIS, entidade de excelência em inovação tecnológica e interoperabilidade digital, a liderança portuguesa reflete não só a competência científica nacional, mas também a visão estratégica para posicionar Portugal como um protagonista europeu na economia circular. A presença da Sonae Arauco, com forte atuação no setor madeireiro, e do Centro para a Valorização de Resíduos (CVR), especializado em soluções para a reutilização e reciclagem industrial, reforça a relevância nacional nesta agenda europeia.
Envolvimento social
Com isto, cenários reais são utilizados com pilotos demonstradores em ambientes domésticos e coletivos, envolvendo municípios e cidadãos em práticas de reutilização, reparação e prolongamento da vida útil do mobiliário. Este envolvimento social é essencial para criar uma cultura de circularidade. A interoperabilidade entre sistemas será assegurada através da ontologia ISO1030 (AP236) funStep, um padrão internacional desenvolvido especificamente para o setor do mobiliário, garantindo que toda a cadeia de valor partilhe uma linguagem comum, do design à reciclagem. Esta base semântica robusta permitirá que os dados recolhidos pelo Passaporte Digital de Produto sejam úteis, comparáveis e reutilizáveis por fabricantes, retalhistas, recicladores e decisores públicos.
Esta abordagem representa a convergência entre digitalização, sustentabilidade e estratégia industrial. A sua verdadeira inovação reside em compreender que o futuro não pertence apenas a quem produz mais, mas a quem produz melhor, durante mais tempo e com menos impacto. Para os líderes empresariais, investidores e decisores políticos, esta é uma oportunidade concreta de alinhar o crescimento económico com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu.
Portugal já está a mostrar o caminho. Se queremos uma Europa mais competitiva e circular, o tempo para agir é agora.