NO TAXATION WITHOUT REPRESENTATION – Os parlamentos modernos foram feitos para limitar a capacidade do poder executivo de lançar impostos. No taxation without representation. Tudo isto a propósito da proposta da Comissão Europeia de acabar com a regra da unanimidade em matéria fiscal.
Para começo de conversa quero dizer que ser europeísta não significa pendurar as chaves da soberania. Quando Jean-Claude Juncker afirmou, no início do seu mandato à frente da Comissão Europeia, em 2014, que “A Europa não se constrói contra os Estados nem contra as nações”, nada fazia prever que, no final do seu mandato, em 2019, a Comissão Europeia apresentasse – numa descolagem federalista – uma comunicação sobre o fim da regra da unanimidade na política fiscal – tão contrária àquilo que ele próprio advogou. A 15 de janeiro do presente ano, a Comissão Europeia apresentou a dita comunicação, com o título “Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE”, com perspetivas de “modificar a forma como a UE exerce as suas competências no domínio da fiscalidade”, abrindo caminho ao abandono da unanimidade nesta matéria, em detrimento do diálogo e do compromisso, o que, a prazo, poderá ter um impacto extremamente negativo na competitividade fiscal de Portugal dentro da União. Na verdade, o facto de a União estar desprovida de poderes tributários significativos salvaguarda os Estados-membros de uma exposição impotente a um directório político. O que é realmente espantoso é a tentativa da Comissão, num exercício sincrético, sustentar que a renúncia à unanimidade, quebrando o equilíbrio de igualdade dos Estados-membros no Conselho Europeu, servirá para que os mesmos Estados reforcem a sua soberania fiscal.
Princípios cumpridos
Portanto, os Estados-membros submetem-se ao seguinte princípio: abdicam de soberania efetiva em virtude de uma soberania eficiente. Todo este raciocínio é uma triste exibição da construção pós-nacional, de quem aprendeu pouco com o processo que marcou o chumbo do Tratado Constitucional, em 2005. Ao invés de tentar eliminar os óbices existentes contra a tributação excessiva, a Comissão Europeia devia envidar todos os esforços no sentido de reduzir a política fiscal ao critério dos Estados-membros, incentivando, por sua vez, a concorrência fiscal, e concentrando a sua atenção no aprofundamento do mercado único através da eliminação e redução dos entraves ao comércio e ao desenvolvimento de negócios.
Perante a irreversível transição do processo de decisão em domínio da política fiscal por unanimidade para maioria qualificada, naquilo que representa, afinal, um salto qualitativo contrário ao direito soberano dos Estados-membros de determinar as suas próprias leis fiscais, o Governo português expressou, de forma precipitada e sem consultar a Assembleia da República, o seu apoio à Comissão, no sentido de progredir este esforço com eficácia e o mais rapidamente possível. O Governo português – alinhado com os governos francês, espanhol e italiano – em vez de tentar introduzir impostos mínimos e aumentar as taxas de tributação dos outros países em função da sua própria carga tributária (elevada), devia, ele próprio, refletir sobre a forma como Portugal poderá ser mais competitivo.
Processo de decisão
Ao arrepio da Assembleia da República, o Governo apressou a evolução do processo de decisão da União naquele domínio, cujo resultado não só é prejudicial ao interesse nacional como poderá retirar, no futuro, vantagem competitiva à economia portuguesa. Algumas das principais apreensões suscitadas advêm da possibilidade de o Estado português ficar à mercê do ímpeto tributário de outros Estados-membros e de ver diminuído o seu direito soberano em determinar a sua própria legislação fiscal. Não é aceitável a invocação da eficiência e da harmonização fiscal para fundamentar uma alteração do processo de decisão europeu, porque o seu consentimento dilui o peso do Estado português no conjunto dos 27 Estados-membros. Hoje, o imposto aventado é sobre a economia digital, amanhã sabe Deus sobre o que será.
Têm sido muitas e variadas as tentativas políticas do Governo português para se arvorar em vanguarda de um europeísmo federal favorável à criação de uma máquina tributária europeia. Primeiro, fê-lo ao defender a criação de impostos europeus como recursos próprios do Orçamento da União, abdicando de uma prerrogativa que deve permanecer na esfera dos Estados-membros – a capacidade de lançar impostos. É de resto insólito que, depois de afastada esta possibilidade no âmbito do processo negocial do próximo Quadro Financeiro Plurianual, António Costa insista em apostar politicamente nesta ideia fracassada, descurando a recuperação das verbas perdidas, de forma inexplicável, no domínio da coesão e da agricultura. Agora repete-o de forma diferente, mas refletindo, uma vez mais, uma predisposição voluntária e precipitada para alienar um reduto de competência exclusiva dos Estados-membros e parte da nossa esfera de soberania.
A Assembleia da República aprovou, por maioria, no passado dia 15 de Março, duas resoluções que travam o Estado português no apoio à Comissão em progredir, no futuro, com uma eventual proposta legislativa. Resta agora esperar que o Governo as cumpra escrupulosamente.