RESULTADOS ORGANIZACIONAIS (E FELICIDADE NO TRABALHO)
Marta é a diretora corporativa da área de compliance de uma empresa na área da saúde (clínicas e hospitais). Ela é uma profissional extremamente competente, focada e implacável no cumprimento de regras e na padronização da qualidade dos processos e procedimentos internos; sempre em função da prestação de um serviço de excelência e dos melhores resultados organizacionais. É extremamente exigente consigo própria e com os outros – tanto os da sua equipa, como da organização de uma forma geral. Tem um perfil muito diretivo, dá pouca ou nenhuma margem para o erro, não delega e tem um “pavio muito curto”. Não é raro ouvi-la aos gritos com a sua equipa e com outros stakeholders da organização, até em posições hierarquicamente superiores à sua. Como as discussões se centram na sua área de especialização, os seus “adversários” acabam por ser completamente cilindrados. Altamente argumentativa, com uma agressividade latente, ganha todas as discussões, com quem quer que seja. A sua pequena equipa, apesar de especializada nesta área, não ousa questionar a sua autoridade com receio da sua agressividade e das consequências.
AMBIENTE TÓXICO
O ambiente no departamento é extremamente tóxico, pelo que os índices de absentismo por baixa médica e saídas voluntárias são muito elevados, inviabilizando quaisquer planos de desenvolvi- mento e/ou de sucessão. Considerando que Marta não delega rigorosamente nada a qualquer dos membros da sua equipa, para além de pequenas tarefas meramente administrativas, ela acaba por ter de trabalhar muitas horas todos os dias – razão que a faz reclamar imenso, como se a responsabilidade não fosse sua. Passa a vida em conflito com a organização que, por falta de alternativas, fica refém dela. Já ameaçou várias vezes abandonar a organização; e a organização, por falta de coragem e de alternativas, acaba por ceder e fazer o que ela exige.
Há dois meses, uma inspeção das autoridades competentes identificou muitas e graves lacunas em termos de compliance – as quais resultaram em pesadas multas. Mas, como é que alguém tão implacável como a Marta permitiu que algo assim pudesse acontecer? Acontece que, como as pessoas têm medo da Marta, quando identificam alguma situação, ou quando têm alguma dúvida, acabam por adiar – ad aeternum – uma conversa com ela. Assim, os problemas vão-se arrastan- do, acumulando e tornando-se cada vez mais graves.
As pessoas tóxicas acabam por ser prejudiciais para as organizações, tanto direta como indiretamente. Penalizam o índice de felicidade das pessoas – tornando-se menos produtivas – inviabilizando a identificação e correção de problemas (as nossas pessoas não têm de ser sujeitas a viver no terror de se relacionarem com alguém). Depois, devido ao elevado índice de saídas voluntárias, há pesados custos com processos de recrutamento para substituição de quem saiu, os custos de formação e certificação das pessoas que entraram, o risco de o recrutamento não ser eficaz, bem como as curvas da aprendizagem à função e de adaptação à organização. As pessoas têm de ser afastadas das organizações – ou, pelo menos, das restantes pessoas.
Enquanto CEO, procuro atingir dois objetivos principais: (1) garantir os melhores resultados organizacionais e (2) garantir a felicidade e a segurança das minhas pessoas. Acresce, que estes dois objetivos estão profundamente in- terligados e são interdependentes.
Os melhores resultados organizacionais são atingidos através de boa liderança de pessoas competentes, felizes, motivadas e com potencial de evolução, numa boa cultura organizacional. Garantir a felicidade e a segurança das pessoas implica um investimento na proposta de valor que lhes oferecemos: remuneração, benefícios, carreira e cultura organizacional. Para oferecermos uma boa proposta de valor às nossas pessoas, é necessário investimento (de dinheiro, tempo e dedicação, principalmente). Portanto, investindo nas pessoas, os resultados organizacionais aparecem; com bons resultados organizacionais, conseguimos as condições necessárias para continuarmos a investir nas pessoas.
EQUIPA COMPETENTE E MOTIVADA
Mas, como poderemos garantir que temos uma equipa competente, motivada e livre de pessoas tóxicas? É simples, ainda que não seja fácil. Temos de apostar, efetiva e inabalavelmente, no processo de recrutamento. Na altura de trazermos novos profissionais para a equipa ou empresa, temos de garantir que trazemos pessoas competentes, motivadas e que promovam um bom ambiente interno. E esta situação é particularmente importante quando recrutamos profissionais para funções executivas, de liderança. Os bons líderes darão o exemplo e serão imitados na organização, de cima para baixo. As boas práticas que os bons líderes instituírem tornar-se-ão parte integrante da cultura organizacional. Naturalmente, há que garantir um bom acolhimento e integração na organização, uma constante preocupação com o desenvolvimento das pessoas, entre mais alguns aspetos essenciais para uma boa experiência do colaborador. Depois de instituída uma cultura positiva, de transferência e de justiça organizacional, há que garantir que ninguém “fura o esquema”. Se se detetarem pessoas tóxicas na organização, há que resolver o problema de forma eficiente possível. Se nada fizermos, seremos cúmplices deste comportamento e estaremos a transmitir a mensagem de que compactuamos com tal conduta – quando a nossa obrigação, enquanto líderes, é a de garantirmos a segurança e o desenvolvimento das nossas pessoas.
Enquanto líderes, devemos proteger as nossas pessoas – pelo menos tanto quanto protegemos o negócio. É certo que, sem negócio, não há pessoas; mas sem pessoas, também não há negócio. Os bons colaboradores não podem estar expostos a pessoas tóxicas nem a situações de risco; os bons colaboradores, quando não estão satisfeitos, quando não estão seguros, não reclamam – rasgam o contrato psicológico e vão embora.