PAULO SOUSA

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO – O papel estratégico das TIC no combate às pandemias. Estamos a conviver com um inimigo invisível que ainda não sabemos como neutralizar. Enquanto a indústria farmacêutica produz as armas necessárias, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem ajudar a controlá-lo e a diminuir a sua letalidade. A maior ameaça do SARS-COV-2 (novo coronavírus) é precisamente a sua capacidade de rápida propagação. O confinamento surgiu como primeira reação natural à falta de outros meios. Agora que percebemos que é impossível continuar confinado sem danos colaterais ainda maiores, temos de definir uma estratégia eficaz de controlo e convivência segura com o vírus. Na minha opinião, esta estratégia tem de ser integrada e incluir de raiz as TIC. Há dias, numa das conferências de imprensa diárias sobre a pandemia, ouvi a ministra da Saúde, Marta Temido, dizer, a propósito da reabertura dos lares, que estes teriam a responsabilidade de registar todas as visitas recebidas, para as autoridades de saúde poderem atuar caso no futuro viesse a ser detetado algum surto. Ora, se já sabemos que os lares foram um dos principais focos de infeção na primeira vaga, temos de fazer tudo para que não o sejam em eventuais novas vagas da COVID-19. Claro que é preciso registar as visitas aos lares, mas esses registos não podem ficar em folhas de papel espalhadas pelos mais de 2500 lares do paísO papel será praticamente inútil para qualquer tipo de ação preventiva e atrasará o trabalho das autoridades de saúde se precisarem de consultar a informação para identificar cadeias de transmissão do vírus. Estes registos de visitantes, assim com os registos dos profissionais de saúde que trabalham em lares, deveriam ser eletrónicos sempre que possível e estar integrados com outros sistemas em rede, para classificar o nível de risco das visitas aos lares e emitir alertas automáticos quando os lares ultrapassam um determinado limiar de risco considerado aceitável. 

Soluções TIC – Este exemplo dos lares é apenas a ponta do icebergue. Nos últimos tempos têm sido propostas várias soluções TIC para ajudar no combate à pandemia de COVID-19, com destaque para as aplicações de rastreamento de contactos que permitem registar com quem contactámos e emitir alertas caso algum dos nossos contactos seja infetado. Estas aplicações só serão eficazes se a sua implementação e utilização estiver suportada num plano estratégico. Por exemplo, se existirem cinco aplicações no mercado e as pessoas dividirem-se na sua utilização, apenas conseguiremos os resultados pretendidos se as autoridades nacionais criarem um repositório nacional, anonimizado, que faça a ponte e centralize as informações recolhidas pelas várias aplicações. Também na área da sáude temos hoje em dia uma quantidade muito significativa de informação registada que pode ajudar à tomada mais rápida de decisões e à antecipação dos movimentos do vírus. Um exemplo. Entre 2016 e 2019 participei num projeto de Investigação & Desenvolvimento realizado em parceria por academias, indústria e entidades prestadoras de cuidados de saúde. Com um budget inferior a um milhão de euros, foi possível criar o protótipo de um sistema que, entre outras funcionalidades preditivas, teria sido capaz, em 2014, de detetar o surto de legionella de Vila Franca de Xira, quatro dias antes da data em que foi declarado oficialmente pela Direção-Geral da Saúde. A produtização deste protótipo permitirá ajudar na deteção de surtos vindouros, incluindo eventuais novas vagas da COVID-19. 

Tecnologia para minimizar efeitos – Em suma, está ao nosso alcance a tecnologia para minimizar os efeitos das pandemias – destas e doutras que surjam no futuro. As autoridades nacionais, ou até a mesmo a OMS, deveriam definir uma estratégia integrada de combate a pandemias que incluísse mecanismos eletrónicos para registo de todos os dados relevantes, emissão de alertas preventivos, ajuda em tempo real na deteção e controlo de surtos, entre muitas outras capacidades. Desta forma, poderíamos aguardar mais pacientemente pela indústria farmacêutica e criar um infraestrutura que aumentasse a confiança de todos na resposta da sociedade a futuras pandemias. O mercado está a trabalhar na disponibilização das tecnologias necessárias, mas compete às autoridades nacionais e internacionais definirem a estratégia e coordenarem a sua implementação. A eficácia de uma estratégia integrada será muito maior do que a estratégia atual que relega o potencial das TIC para segundo plano, fazendo uso esporádico de algumas ferramentas apenas a nível tático.