PAULO NUNES

 

O ENÓLOGO QUE SABIA QUE NÃO O QUERIA SER. A eterna inquietação que o motiva e diverte. O ser autêntico. A viagem da vida que tem de ser vivida ao máximo.

Paulo Nunes é alguém que tem a plena noção de que estamos todos de passagem neste planeta, e nessa viagem gosta de se divertir com aquilo que faz e efetivamente gosta de aproveitar todas as horas do seu dia. Desfruta e diverte-se naquilo que faz e reconhece o privilégio de ter encontrado algo que lhe dá muito prazer em fazer. Resume-se a alguém que aproveita e desfruta cada segundo ao máximo “desta viagem que todos temos”.

Tudo menos enólogo

Ao contrário de grande parte dos seus colegas de profissão, ser enólogo não era um “sonho de criança” e muito menos o seu objetivo, rematando em tom de brincadeira que falhou claramente esse aspeto. Paulo Nunes, o hoje enólogo, nascido e criado no Douro, onde a sua família possuía algumas parcelas de vinhas, relembra que essa era a razão de saber que não queria ser enólogo, pois a vida na terra, na agricultura, na viticultura, era uma vida dura, de árduo trabalho. Como criança que era, não gostava e deixava-lhe alguma mágoa, pois enquanto os seus colegas depois da escola iam brincar e aproveitar os tempos livres, Paulo Nunes tinha que ir ajudar, o que era uma carga de trabalho pesado para uma criança, não o levando a desejar esse caminho.

No entanto, após deixar o meio rural, para viver e estudar em Lisboa, rapidamente percebeu o quanto sentia falta do “verde”, a necessidade de ver e respirar uma paisagem verde, fazendo-o deixar Lisboa e regressar às origens passados alguns anos.

Ser enólogo

Paulo Nunes licenciou-se em Engenharia Alimentar e é mestre em Qualidade e Tecnologia Alimentar. O objetivo era formar-se em algo que lhe permitisse sair da terra. A escolha do curso recairia sobre uma área com que se identificasse, que fosse abrangente e permitisse várias soluções. Após concluir os estudos, o seu primeiro emprego, nada a ver com vinhos, foi em Microbiologia, no Infarmed, mas foi essa passagem que o fez perceber que sentia falta da “terra e do verde”. Realça que foi de facto uma parte importante para se ter tornado enólogo, e todas as valências que retirou de trabalhar em Microbiologia são agora importantes e enriquecem o seu trabalho na viticultura e enologia.

Ser cada região

Curiosamente, apesar de ter nascido e ser criado no Douro, questionámos sobre o que o levou a “escolher” Dão e Bairrada para se lançar no mundo dos vinhos quando se iniciou como enólogo. Paulo Nunes explica e faz-nos voltar ao início da sua carreira. Conta-nos que em 2000 o Douro era uma região ainda muito conotada com a região do vinho do Porto. Dão e Bairrada eram regiões que historicamente contavam já com algum legado de consumo e até mesmo de mercado. Sendo as regiões com que o enólogo se identificava mais na época, acabou por ser uma escolha natural.

Atualmente Paulo Nunes trabalha com várias regiões para além do Dão e da Bairrada, está no Douro, em Trás-os-Montes, entre outras. A sua eterna inquietação levou-o às origens e a ser enólogo na busca constante de produzir vinhos de excelência. Questionámos o que lhe falta ou poderia melhorar nos seus projetos, ao que respondeu: “penso que me falta tudo”. Acredita que é essa eterna inquietação que o faz querer sempre mais e melhor. Não acredita, honestamente, na perfeição, e a beleza e motivação em ser enólogo está na imperfeição: procura sempre, nos vinhos que produz, revelar identidade e não perfeição, o importante dos vinhos é terem identidade e que essa seja sagrada e intacta à sua região, às gentes e à terra. É desse lado que Paulo Nunes não abdica e procura sempre mostrar nos vinhos que produz que o vinho seja reflexo da região, da quinta, da terra, das pessoas.

Revelando-nos que é amante de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, assume que ele próprio, ao produzir nas várias regiões, sente essa necessidade quase crucial de se adaptar e de se transformar em vários “eus”. Ser o reflexo das pessoas e da região são características que acrescentam valor e o fazem desfrutar ainda mais do processo de ser enólogo, que lhe dão gozo e o fazem até “divertir-se”. Qual seria a motivação de fazer tantos quilómetros como faz para trabalhar com as várias regiões? Se o que fizesse numa fosse igual em todas, não seria motivador e perderia o encanto e gosto em fazer o que faz.

Aproveitando a referência a Fernando Pessoa, pedimos a Paulo Nunes que nos identificasse um vinho que tenha produzido, que melhor o personifique como pessoa e enólogo. Responde prontamente que é efetivamente complicado, pois seria como perguntar a um pai de que filho gosta mais… mas revela que acima disso existem de facto vinhos que marcam o seu percurso e destaca o primeiro vinho que produziu: o Quinta da Bica Reserva 2003 foi um marco histórico para uma quinta clássica, pois foi o primeiro reserva que a casa produziu, e igualmente para o enólogo, por ter sido o seu primeiro vinho. Destaca também o vinho Garrafeira Tinto de Casa de Saima, pois conta que a Casa de Saima foi das quintas que mais o influenciaram. Mesmo antes de trabalhar com a quinta, já era um apreciador e admirador do trabalho e dos vinhos da Casa de Saima como consumidor. Quando surgiu a oportunidade de colaborar com a quinta, o peso e a responsabilidade eram imensos, e revela que quando lançou o Garrafeira Tinto não conseguiu dormir nessa noite com a ansiedade e receio de não estar à altura, tendo em conta o legado e referência que era a Casa de Saima e em concreto o vinho Garrafeira Tinto.

Ser identidade

Um vinho autêntico, com uma identidade única, é sem dúvida uma das metas do enólogo Paulo Nunes. Tendo em consideração o rumo da indústria do vinho, das necessidades e desafios a serem abordados, aponta claramente para dois: primeiramente, no aspeto de desafio da viticultura, serão as questões climáticas. Tudo o que se conhece da viticultura, tendencialmente, precisará de ser repensado, uma vez que o modelo de viticultura de há 20 anos e tudo o que se conhece e idealiza é muito diferente dos dias de hoje, e esse repensar será a evolução natural. Ter em conta, principalmente, as variáveis que hoje se encontram presentes nas vinhas e que antes não existiam; ter em conta esse aspeto e estar preparado ou tentar antever essas variáveis no futuro, como por exemplo verões mais quentes e ondas de calor mais presentes. Vai ser necessário haver uma cuidadosa seleção no que se planta nas vinhas. Por outro lado, o desafio na comercialização dos vinhos, no sentido de que Portugal não vai conseguir competir com países ou produções do Novo Mundo, em termos de quantidade dos produtos. Os enólogos terão de valorizar e trabalhar em produções de qualidade, o tal vinho com identidade, e serem competitivos em produtos exclusivos, uma vez que Portugal tem uma característica tão única, que é reunir tantos e tão diferentes terroirs, permitindo a produção de um vasto leque de vinhos completamente inigualáveis e distintos.

Para concluir, pedimos a Paulo Nunes, este enólogo que valoriza a jornada e cada momento dela, que nos deixasse um conselho para ficar registado, e o seu foi “ter noção que isto é viagem e que se usufrua. Este lema serve para todas as gerações, aplica-se a tudo. Neste passar por cá e deixar um legado, no contribuir de forma positiva, seremos nós mais felizes e também as próximas gerações”.

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