PAULA RIBEIRO ALVES

RECURSOS TECNOLÓGICOS – O Monstrengo das Tormentas à Boa Esperança – A pandemia que assola o mundo, a primeira realmente global, impressiona em vários aspetos com os quais já havíamos sido impressionados e em aspetos novos que vamos procurando processar. Já havíamos sido impressionados com médicos lutando em condições extremas para salvar doentes em número excessivo e com patologias graves. Em 2018, o surto de Ébola mostrou-nos essa realidade. Em África.  Já tínhamos sido confrontados com uma pandemia decretada pela OMS, em 2009, denominada Gripe das Aves, causada pelo vírus H1N1 que afeta animais, foi transmitido ao homem, passando a haver contágio entre pessoas. Terá voltado, agora H5N1, na China, que está em aparente controlo do COVID-19. Já nos estávamos a habituar a ver, no Oriente, pessoas a usar máscaras, devido a uma poluição intensa e persistente, que cobre as cidades com um nevoeiro acastanhado que os seus habitantes são forçados a respirar e lhes causa doenças. Vendem-se, ou vendiam-se, pelas ruas, nas lojas, máscaras com vários formatos e cores – um acessório a par de chapéus, lenços e óculos, feitas para combinar com o look do dia. Já tínhamos vislumbrado tudo isto, principalmente na televisão ou online, ambas facilmente descartáveis. 

Uma nova realidade – Agora estamos a ver e a viver, o que faz toda a diferença. Já não mudamos de canal ou deslizamos o ecrã do telemóvel. Ligamos a televisão para ver as notícias, ou melhor, a notícia, porque não há outras. Nas redes sociais, em grupos online criados em várias aplicações, partilham-se informações, conselhos, piadas, mensagens de apoio e de encorajamento. O trabalho passou a teletrabalho, a escola passou a telescola, o ginásio passou a teleginásio, as reuniões necessárias e desnecessárias, curtas e intermináveis, passaram a tele-reuniões necessárias e desnecessárias, curtas e intermináveis, as salas de amigos passaram a tele-salas em que os amigos aparecem e conversam. As aulas das universidades, os exames, as formações, as conferências, o networking, o coaching, as consultas médicas, tudo passou para online, com todos os participantes em frente a dispositivos com câmaras, que os mostram, filmam e gravam, bem como às suas salas, escritórios, quartos, cozinhas. Nas redes sociais, as poses em sítios algures pelo mundo passam a poses algures em casa, com ainda maior exposição de cada pormenor do interior daquilo a que legisladores e declarações universais de direitos humanos chamam domicílio e consideram o último reduto da reserva da intimidade da vida privada. 

Esvaziamento do mundo físico – O COVID-19 criou o caldo de cultura em que o pouco que ainda não tinha sido massivamente devassado, com cada pormenor recolhido, por imagem e áudio, foi avassalado. As casas e o real modo de viver de quase todos no mundo inteiro é informação que, todo o dia, todos os dias, agiganta a descomunal big data que é o alimento da já sofisticadíssima inteligência artificial. Depois disto, o ser humano individualmente considerado ou enquadrado na sua específica cultura, que está a ultrapassar os seus limites e a mostrar facetas emocionais usualmente não visíveis, esse ser humano vai a caminho de ser tão visível como as casas, estradas e direções do Google Maps e tão transparente como as folhas de acetato das viseiras anti-COVID. O mundo físico, com exceção dos hospitais existentes e improvisados e dos serviços básicos essenciais, esvaziou-se. A causa é a fragilidade biológica da pessoa. Os enfermeiros-robots que em alguns hospitais distribuem, invulneráveis, impassíveis, metálicos, medicamentos aos pacientes infetados, desesperados, de corpo em luta, são um contrapondo por demais evidente, entre o natural vivo em perigo de morte e o artificial não vivo sem perigo. 

Colaboração global na luta contra o vírus – A colaboração global que liga laboratórios, cientistas, empresas e Estados na luta contra o vírus não tem precedentes. O extremo esforço humano em potenciar todos os meios, auxiliado pela inteligência artificial, origina um salto no tempo. Há quem estime que em poucos meses se está a evoluir o que demoraria 10 ou 20 anos em condições normais. As inércias foram forçadas, a necessidade aguçou o engenho, novas descobertas e desenvolvimentos criam sinergias impensáveis, tudo potenciado pelo regime de emergência que suspende travões, como os direitos individuais, em face de um perigo comum. A aceleração e complexidade existentes ficam, de repente e a um nível global, muitíssimo mais intensasEnquanto nos chocamos ao ver cidades pelo mundo com ruas e praças desertas, restaurantes, comércio, empresas e escolas fechadas, encontram-se multidões online, por todo o mundo, a procurar replicar digitalmente e em casa a vida que tinham na rua, tornando regra a comunicação, o trabalho, a vida à distância e criando quantidades descomunais de novos dados. 

O contributo da Inteligência Artificial – Há milhares de anos o Homem descobriu o fogo, e esse foi um dos fatores essenciais para o desenvolvimento da sua inteligência. Podendo cozinhar os alimentos, consumia a energia de que precisava com muito menor esforço e mais rapidamente, o que lhe deixava tempo e paciência para se pôr a inventar coisas. Vamos ver se o vírus biológico terá efeito semelhante na inteligência artificial. O desenvolvimento da tecnologia e das máquinas, aliado à criação astronómica de dados diferenciados potenciada pela pandemia, facilitam muito a alimentação da inteligência artificial, podendo deixar-lhe espaço e disponibilidade para se pôr a inventar coisas. Que coisas, não sabemos. 

O monstrengo biológico, COVID-19, tem de ser ultrapassado e o Homem do leme tem de ser firme nesse objetivo. A Inteligência Artificial vai estar lá a ajudar e vai continuar lá depois, mais gigantesca e mais forte. Esperemos que esteja e continue por nós para que, controlado o monstro, o cabo das Tormentas possa ser cabo da Boa Esperança.