TECNOLOGIA SUPREMACIA QUÂNTICA – milhares de anos em segundos. A supremacia quântica terá chegado. Veio, como seria de esperar, pela mão da Google, numa parceria com a NASA e o laboratório americano ORNL. Sycamore conseguiu um feito incrível, nunca antes alcançado. Resolveu em segundos uma operação que teria levado 10 mil anos a executar pelos maiores e mais avançados computadores que existem. É obra. Não foi abraçado, porque é um supercomputador quântico. O seu tamanho e a sua (ainda) ausência de sentimentos ou consciência impediam e desaconselhavam a manifestação de alegria que se imagina tenha avassalado os seus criadores. Sycamore ainda não imagina. Discute-se se alguma vez o fará e se deverá fazê-lo, o que são questões diferentes. Enquanto isso, os supercomputadores vão treinando sozinhos e aprendendo uns com os outros, numa espécie de jardim infantil informático. Há quem diga que é perigoso, sabe-se lá o que andam a aprender e com quem. Há quem diga que são inofensivos, porque não fazem sequer o que um bebé faz. Os mais sensatos dizem que não se sabe, nem se pode saber. Normalmente, ao discutir a questão, estão-se a tomar em consideração realidades diferentes. De um lado, apresentam-se os superpoderes de computação, extraordinários e crescentemente fora do controlo e compreensão humanos. Do outro, salienta-se a ausência de inteligência artificial geral (AGI – Artificial General Intelligence), aquela que mesmo os humanos menos dotados têm em grande quantidade. Quer isto dizer que em tarefas concretas a inteligência artificial (AI – Artificial Intelligence) ultrapassa muitíssimo a humana, mas quando se trata de realmente pensar, de enquadrar um dado novo imprevisível na tarefa, a AI é incrivelmente estúpida. Simplesmente não compreende. Os cientistas que trabalham e desenvolvem a aprendizagem mecânica e “profunda” (ML – Machine Learning e DL – Deep Learning), que vêm de várias áreas com predomínio da computação e da neurologia falam, com um certo carinho, da infância da AI.
A esperteza das coisas – A inteligência artificial tem-se vindo a instalar na vida quotidiana. Quase tudo, incluindo objetos e cidades, se torna smart, sinónimo de terem incorporada tecnologia que usa inteligência artificial. É daí, da incorporação de internet e de inteligência artificial, que vem a esperteza das coisas. O seu uso sistemático não é, normalmente, acompanhado de grande preocupação, provavelmente porque nem se dá pela sua presença. Esta falta de atenção está a desaparecer. Atualmente o foco já se vai apontando à AI. Foi possível constatar intensamente esse facto na recente Web Summit, evento global de tecnologia, que teve a sua quarta edição em Lisboa. Aí a inteligência artificial esteve omnipresente, quer nas empresas que a pretendiam vender como mais-valia das soluções que apresentavam, quer subjacente a tudo o que por lá se passava. Ter sido alcançada a supremacia quântica, que eleva a AI a um patamar completamente desconhecido, foi uma grande notícia. O feito foi considerado um marco, isto é, um momento decisivo, um acontecimento que assinala uma alteração de trajetória. Neste caso não será uma mudança de direção, mas um impensável (num sentido muito literal, de que não somos capazes de pensar) aumento de velocidade e uma incompreensível mutação de natureza das coisas, neste caso da computação. De 0 e 1, passa-se a informação que pode ser mais do que uma coisa ao mesmo tempo, seja lá o que isso for para leigos.
O feito da Google é contestado por vários cientistas e, especialmente, pela IBM que vem desenvolvendo desde há muito a sua máquina. No início do ano anunciou, até, o primeiro computador quântico comercial, um protótipo a que foi dado o nome de Q System One. Registe-se que aos novos entes computacionais criados é atribuído nome próprio. Just in case, provavelmente. De referir, ainda, no que à inteligência diz respeito, a interessante observação de que o verdadeiro problema não é a inteligência artificial, mas a estupidez natural, enunciada por Yuval Noah Harari, académico de renome que tem vindo a trocar por miúdos, brilhantemente assinale-se, estas coisas incompreensíveis aos comuns (ainda) mortais, no seu livro 21 Lições para o Século XXI. Harari analisa muito aquilo a que chama biotecnologia. Dantes chamava-se eugenismo, hoje trans–humanismo e há gente de má vontade que lhe chama fascismo. Trata-se da criação de super-homens, seres aumentados, uma raça superior.
Expansão mundial – Estes anúncios e discussões no Ocidente imaginam-se acompanhados de muita ação pouco anunciada e nada discutida no Oriente, maxime na China. Para quem tem em funcionamento uma total vigilância nacional, que é a base do sistema de crédito social, e divulgou, em 2017, um plano nacional de desenvolvimento da AI, provavelmente em resposta ao anúncio semelhante feito pelos EUA em 2016, parece improvável que passos de gigante não estejam a ser dados na China, grande potência do Oriente e global. Do Médio Oriente, mais concretamente dos Emirados Árabes Unidos, as notícias nestas áreas chegam em quantidade e variedade. Destaca-se o anúncio, em outubro, da criação da primeira universidade do mundo totalmente dedicada à AI. É em Abu Dhabi e tem início de funcionamento previsto para setembro de 2020. Anúncio acompanhado pelo MIT, o americano Massachusetts Institute of Technology, que divulgou quase em simultâneo que pretendia investir “$1 billion” num college que combina AI, machine learning e data science, entre outras disciplinas.
Vamos ver se Sycamore trava conhecimento com Q System One numa universidade de inteligência artificial, na América, no Médio Oriente ou, quem sabe, na China. A aprender uns com os outros, ou uns contra os outros, vão, certamente, mudar o mundo mais uma vez, só que tão depressa e tão estruturalmente que podemos nem ter tempo de nos espantar.