“ACIMA DE TUDO HÁ QUEM AGORA SAIBA O QUE PODERIA TER FEITO E NÃO FEZ, O QUE FEZ E NÃO DEVERIA TER FEITO E O QUE DEVEMOS FAZER, CIDADÃOS DE PORTUGAL, PARA USAR
MELHOR O NOSSO VOTO”
De mortuis nil nisi bonum dicendum est.E assim se constroem os obituários.Até os mais críticos desses textos fúnebres acabam por ser elegias de virtudes, muito mais do que reportagens de factos que a história gostaria de registar. É normal esperar pela morte para que se louvem as probidades dos finados, tal como se espera pelo fim da “importância” da pessoa para nela malhar nos defeitos, inventar histórias e insultar sem pejo. E o fim da “importância”, ainda sem a respeitabilidade da morte, é, não raras vezes, o cargo que se deixa de exercer, a mera antevisão temporal do fim desse cargo, a passagem à vida “civil”, o regresso à condição de “ninguém”. Por tudo isto, defendo que seria bem mais interessante e útil a elaboração de “vivuários”. Com este neologismo que, atrevo-me a supor, não deverá fazer escola, quero nomear o texto, mais real do que laudatório, que se escreva em vida acerca de alguém que o mereça. Não se pretende uma espécie de louvor em Diário da República, ainda que em jornal não oficial. Não chegará uma coisa que colecione elogios e não tenha de ser o vitupério do encómio autólogo. Independentemente do tamanho, pede-se um texto que seja a realidade vista por quem assistiu. Em Portugal, mas imagino que em mais países, a norma é escrever sobre alguém para dizer mal. E mesmo quando não se diz expressamente mal, apenas manifestando uma opinião pessoal, enumerando características e adjetivando interpretações de comportamentos, se não estiver escrito que fulano é excelente, o maior, a luz que alumia o caminho, disse-se mal. Só assim se entendem os comentários que foram escritos e ditos, com a assunção da impunidade que alguns políticos e jornalistas julgam ter, sobre o mais recente livro do presidente Cavaco Silva. Quase ninguém teve a simplicidade de entender que se está em presença de um testemunho histórico que servirá no futuro, como já serve no presente, para entender um dos períodos mais difíceis da história de Portugal. Assim foi visto, pelo então Presidente da República, o início do século XXI. O presidente Cavaco Silva, pela sua mão, escreveu memórias e descreveu factos, dando ocasião a que se possa consultar fontes e relatar história, em vez de inventar. Cavaco Silva, uma vez mais, prestou um serviço público inestimável. Escreveu um vivuário. Durante o conturbado período dos anos que se seguiram ao resgate financeiro de 2011 eu sei onde estava e o que fiz. Mas não sabia tudo, nem o poderia saber, por mais “in” que estivesse no inner circle. Agora sabemos todos muito mais.Acima de tudo há quem agora saiba o que poderia ter feito e não fez, o que fez e não deveria ter feito e o que devemos fazer, cidadãos de Portugal, para usar melhor o nosso voto e impedir que outro resgate alguma vez nos calhe em má sorte. Muito obrigado professor Cavaco Silva. O tempo, tal como a grande maioria dos seus críticos, passará. As suas memórias escritas, de que ninguém é obrigado a gostar, já ficaram e vão perdurar.