INJUSTIÇA À PORTUGUESA
Nenhuma pessoa normal poderá deixar de ser sentir absolutamente enojada, quando se começa a perceber que José Sócrates poderá vir a não ser julgado pelos principais crimes de que foi acusado. Quarenta e nove anos depois do 25 de Abril, a justiça está pior, não é cega e não é igual para ricos e pobres. O que está a acontecer é indigno de um Estado de Direito e mina os alicerces do regime democrático. No meio de tantos discursos redondos sobre o 25 de Abril, seria bom que se começasse a pensar nisso.
Em Portugal, quem é pobre, ou remediado, mas não tem acesso a grandes escritórios de advogados, aos circuitos do poder, ou a um PS disponível para colocar pedras na engrenagem da justiça, a benefício dos seus próximos, é julgado, condenado, atingido nos bens e muitas vezes privado da liberdade, cumprindo penas de prisão.
No contraponto, enquanto José Sócrates se passeia confortavelmente na casa da Ericeira, ou viaja para o Brasil sem aviso prévio às autoridades, como a lei obriga, gozando com os tribunais que não o forçam às respostas que a decência exige, o tempo vai passando e com grande probabilidade, a maior parte dos crimes de que vem acusado prescreverão.
A este propósito, é bom que se tenha presente que entre os múltiplos motivos que aproveitam a José Sócrates, através de recursos interpostos, está a regulamentação de duas leis (55/2021, de 13 agosto, e 56/2021, de 16 agosto) relacionadas com a distribuição eletrónica de processos judiciais e o sorteio e nomeação de juízes, que teria de ser feita pelo Governo num prazo de 30 dias, mas passados 1 ano e 8 meses continuava na gaveta.
A omissão da tutela, de resto, é farta em exemplos que impedem que a justiça aconteça. Noutro âmbito, por ter insistido numa lei de metadados que assentava numa Diretiva – 2006/24/CE –, que o Tribunal de Justiça da UE julgara inválida e depois, como tantas vezes se antecipou, foi considerada inconstitucional. Há milhares de crimes envolvendo muitos criminosos que ficarão sem punição. O próprio diretor do gabinete que coordena a atividade do Ministério Público na área da cibercriminalidade avisa que já foram destruídos dezenas de casos de pornografia infantil, tanto durante a investigação, como na fase de julgamento, e fica em causa a investigação de burlas ou bullying feitos através da internet.
Voltando a José Sócrates, objetivamente, o PS na tutela, que tem a obrigação constitucional de garantir as condições para a boa administração da justiça, é pelo contrário o partido que cria as condições que ajudarão a que crimes posam prescrever, nisso beneficiando o antigo secretário-geral e primeiro-ministro de Portugal. Quando assim sucede, todas as especulações são legítimas.
Só num país totalmente anestesiado é que se poderá conviver com circunstâncias tão graves, que para além do mais atentam contra obrigações internacionais, comuns a todos os países da União Europeia. Imagine-se que o que sucede em Portugal acontecia na Hungria ou na Polónia? Quantos debates não teriam sido pedidos no Parlamento Europeu e quantas sanções não teriam reclamado as esquerdas?
Acontece que um Estado não é de Direito e democrático, consoante o alinhamento à direita, ou à esquerda dos governos. E é por isso mesmo que pedi a intervenção da Comissão Europeia, na defesa do Estado de Direito em Portugal. Se tamanha enormidade não significa uma violação grosseira dos pilares estruturantes das democracias liberais, pouco mais se encontrará como motivo.