MIGUEL GUIMARÃES

 

SNS: ESTRATÉGIA SEM TÁTICA ETÁTICA SEM ESTRATÉGIA – Os últimos dois anos de pandemia serviram como manobra de distração do que verdadeiramente se passa no Serviço Nacional de Saúde, adensando-se os problemas crónicos de falta de investimento e de um plano estratégico para o que queremos estruturalmente para a Saúde em Portugal.

Portugal é um país bastante fértil em análises, documentos, relatórios e planos produzidos com qualidade e que, se analisados a nível internacional, até nos colocam como um bom aluno a ser seguido por outros Estados. Porém, temos dificuldade em fazer sair as ideias da gaveta e em executá-las, passando-as do plano das intenções para a implementação prática no terreno. A área da Saúde é um exemplo paradigmático desta situação e, infelizmente, nada parece estar para mudar. Os últimos dois anos de pandemia serviram como manobra de distração do que verdadeiramente se passa no Serviço Nacional de Saúde, adensando-se os problemas crónicos de falta de investimento e de um plano estratégico para o que queremos estruturalmente para a Saúde em Portugal. Só a qualidade, dedicação e resiliência dos médicos, bem como de outros profissionais de saúde, tem permitido fazer mais com menos e dotar o terreno de um caminho que nunca é emanado a nível central. Por muito que seja o esforço, como nos ensinou Sun Tzu, na sua obra A Arte da Guerra, estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória, enquanto tática sem estratégia é o barulho antes da derrota.A liderança é fulcral para o sucesso a médio e longo prazo, e Portugal e a Europa não têm sido felizes neste campo em termos de história recente.

PRIORIDADES PARA A SAÚDE – Os tempos eleitorais que vivemos são, no fundo, um prolongamento dos problemas conhecidos. Os programas avançados pelos vários partidos enumeram várias prioridades para a saúde. Não negamos que sejam prioridades importantes, nomeadamente no que ao aumento do acesso diz respeito, em particular nos cuidados de saúde primários, tão fustigados pela opção política de colocar os médicos de família a seguir todos os doentes Covid-19 que foram acompanhados em ambulatório. Mas os programas perpetuam os problemas acima identificados: limitam-se a enumerar de forma avulsa objetivos teóricos que, ainda que relevantes, não encontram adesão na realidade – até porque continuam a ser feitos de forma conjetural, hermética e em gabinete, sem ouvir quem está no terreno todos os dias e tem as ideias certas para ir ao encontro do que é preciso. O SNS funciona da mesma forma há 42 anos, alheio ao mercado do setor privado e europeu, o que condena qualquer empresa ao fracasso. Como é possível dizermos que vamos atribuir médico de família a todos os portugueses, que vamos abrir mais centros de saúde, que vamos melhorar a acessibilidade aos hospitais ou que vamos facilitar o contacto dos doentes com o sistema de saúde, quando nos esquecemos de inscrever nesses mesmos programas o que de mais importante existe e que é a base de tudo? Refiro-me, evidentemente, às pessoas que todos os dias constroem o Serviço Nacional de Saúde. Relegar para segundo plano as condições de trabalho, a capacidade de atrair mais capital humano e a dignificação e valorização das carreiras é condenar à nascença a possibilidade de qualquer programa vingar. Recordemos, por exemplo, que os últimos concursos para fixar médicos no SNS ficaram com 40% das vagas por preencher, não por não existirem candidatos, mas porque os médicos cada vez mais procuram outros desafios. Basta concentrarmo-nos em alguns estudos de opinião recentes para perceber que valorizar os médicos e os restantes profissionais de saúde é ir ao encontro das expetativas e necessidades dos nossos cidadãos. Se existiam dúvidas sobre a importância e centralidade da saúde em qualquer sociedade, em particular para o crescimento económico, essas dúvidas ficaram dissipadas com a pandemia.

A VONTADE DOS PORTUGUESES – A título de exemplo sobre a vontade dos portugueses, evoco um trabalho conduzido pela GfK no último trimestre de 2021, no âmbito do Movimento Saúde em Dia, – uma iniciativa da Ordem dos Médicos e da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares – que concluiu que 7 em cada 10 portugueses entendem que o investimento atualmente feito pelo Estado na Saúde é insuficiente e que a prioridade do financiamento na Saúde deveria ser canalizada para a contratação de mais profissionais, nomeadamente médicos. Apesar da avaliação positiva do SNS, os portugueses apontam como principais problemas a falta de profissionais de saúde (37%) e os elevados tempos de espera para a marcação de atos médicos ou de saúde (42%). Numa altura tão frágil em termos de saúde e economia, com dois anos que vão deixar marcas que ainda não conseguimos estimar na totalidade, o mais avisado é ir ao encontro do que os cidadãos precisam e investir mais na sua saúde. E investir na saúde dos cidadãos é, sem qualquer dúvida, começar por investir em quem dedica a sua vida a salvar vidas, independentemente das más decisões políticas a que o país tem sido sujeito pelos vários quadrantes políticos.Quando uma pessoa tem um problema de saúde concreto, espera uma resposta. Uma resposta prática e não ideológica. Ainda de acordo com o mesmo estudo da GfK, 9 em cada 10 portugueses são favoráveis à criação de parcerias entre o SNS e os privados para encaminhar doentes nos casos em que o SNS não tem capacidade de resposta em tempo útil – e isto não é ideologia, é sim sinal de que as portas da saúde se vão fechando todos os dias a quem precisa e que as pessoas só esperam pelo menos uma janela de esperança.

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