MIGUEL GUIMARÃES

PREPARAR O FUTURO: A URGÊNCIA DE UMA VERDADEIRA ECONOMIA DE DEFESA 

Num tempo em que os ventos da história voltaram a soprar com força, falar de Defesa e Segurança deixou de ser um exercício académico ou orçamental para se tornar um imperativo político e estratégico. 

A guerra voltou à Europa. O terrorismo recrudesce em África. A ordem internacional baseada em regras está em erosão. Nos EUA reina a incerteza e a instabilidade. E Portugal, como membro da NATO e da União Europeia, tem a responsabilidade – e o dever – de se preparar. Mas preparar-se, hoje, significa mais do que investir em armas ou adquirir novos meios militares. Significa, acima de tudo, desenvolver uma verdadeira Economia de Defesa – uma abordagem integrada, inteligente e sustentável que permita ao país proteger os seus interesses, honrar os seus compromissos internacionais e contribuir para a estabilidade global. 

A Economia de Defesa não é apenas a soma dos gastos com o Exército, a Marinha ou a Força Aérea. É a forma como um Estado planeia e gere os seus recursos para garantir a sua segurança – externa e interna. Inclui a indústria de defesa, a inovação tecnológica, os programas de investigação e desenvolvimento, a formação de quadros especializados, e a criação de parcerias estratégicas com outros países e instituições. 

É, por isso, um setor que não pode continuar a ser visto como um “custo” no orçamento. Pelo contrário: deve ser entendido como ‘investimento estruturante’, com impacto direto na inovação, na soberania e até na competitividade económica. 

Portugal está preparado? 

 A resposta, infelizmente, continua a ser: ainda não. Apesar de importantes avanços mais recentes com o Governo da AD, Portugal permanece abaixo da meta dos 2% do PIB definida pela NATO. Em 2024, investimos 1,58% do nosso PIB em Defesa, com uma taxa de execução de 99,6%, essencialmente em três grandes áreas: na valorização das carreiras profissionais, no reforço do investimento em equipamentos de defesa e no apoio militar à Ucrânia – um valor positivo(quiçá o melhor de sempre) que, face ao novo contexto geopolítico, se revela, ainda assim, insuficiente. 

Mais do que cumprir percentagens, importa pensar em termos de prioridades estratégicas. E nesse campo, Portugal tem muito por onde avançar. A começar por ‘reforçar a base tecnológica e industrial de defesa (BTID), integrando a nossa engenharia, ciência e inovação nos grandes projetos nacionais e europeus. Não podemos continuar a depender do exterior para sistemas críticos. Temos talento, universidades de excelência, centros de investigação altamente qualificados. Falta-nos consolidar uma visão estratégica e uma política industrial articulada. 

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia veio confirmar o que muitos analistas vinham alertando: o período pós-Guerra Fria de “dividendos da paz” terminou. Vivemos uma nova era de competição entre potências, com o ressurgimento de ameaças convencionais, a proliferação de armas sofisticadas e o alastramento de “ameaças híbridas” – da desinformação à cibercriminalidade, do terrorismo ao bloqueio de cadeias logísticas. O mundo não ficou apenas mais perigoso. Ficou também mais “complexo”. A fronteira entre paz e guerra esbateu-se. Os ataques não precisam de mísseis – bastam cliques. As guerras já não se travam apenas nos campos de batalha – acontecem no espaço, nos cabos submarinos, nos algoritmos. Neste cenário, os pequenos e médios países – como Portugal – só têm uma forma de manter a sua autonomia estratégica: cooperar com aliados, investir em tecnologia e reforçar as suas capacidades internas. 

Portugal tem, neste xadrez global, um trunfo que poucos podem reivindicar: a sua “posição geoestratégica”. Somos uma plataforma atlântica por excelência – com mar territorial alargado e tradição diplomática respeitada. Devemos usar esta vantagem para afirmar a nossa centralidade na segurança atlântica, aprofundando a cooperação com a Europa, os EUA, o Canadá e os países africanos de língua portuguesa. 

Investimento em Defesa 

Importa também rejeitar um velho equívoco: o de que investir em Defesa significa desviar fundos de áreas sociais ou científicas. A verdade é exatamente o contrário. A Defesa, quando bem estruturada, pode ser “um motor poderoso de inovação tecnológica”. Basta olhar para a História: grande parte das inovações que hoje usamos no nosso dia a dia –da internet ao GPS, da aviação à robótica – tiveram origem em projetos militares ou de segurança. Portugal deve apostar claramente nas chamadas tecnologias “dual-use” (com aplicação militar e civil), aproveitando os fundos europeus, os programas da NATO e as oportunidades de cooperação com parceiros estratégicos. 

Mas tudo isto exige mais do que relatórios e intenções. Exige “coragem política”, planeamento estratégico e envolvimento da sociedade. As Forças Armadas portuguesas têm dado provas notáveis em missões internacionais e no apoio interno em situações de crise. Mas precisam de recursos, de estabilidade organizativa e de valorização profissional. Do mesmo modo, é fundamental ‘construir um novo contrato social para a Defesa. A segurança não é apenas tarefa do Estado. É uma responsabilidade coletiva, que exige cidadãos informados, instituições confiáveis e uma cultura de resiliência. Temos de reforçar a literacia estratégica da população – desde a escola à comunicação social – para que todos compreendam que a paz se constrói todos os dias. E que, sem Defesa, não há democracia que resista, nem liberdade que se sustente. 

Portugal tem uma janela de oportunidade. Pode escolher entre continuar a reagir, ou começar a antecipar. Entre depender dos outros, ou investir na sua própria capacidade. Entre ver a Defesa como um fardo, ou como uma alavanca para o desenvolvimento. 

A conjuntura internacional não vai abrandar. As ameaças não vão desaparecer. Mas com visão, compromisso e estratégia, podemos transformar a incerteza em oportunidade. 

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