MIGUEL GUIMARÃES

SAÚDE EM DEBATE

O Partido Socialista (PS) governou Portugal 20 anos nos últimos 29, ou seja, mais de dois terços do tempo. Só esta última governação durou mais de 8 anos. E o que aconteceu nos últimos 8 anos na área da Saúde?

 O Estado pagou ao setor social e privado cerca de 8 mil milhões de euros em 2023. Em 2023, cerca de 45% dos portugueses tinham seguros privados de saúde (incluindo a ADSE)! Porque sentem os cidadãos a necessidade de ter um seguro quando têm todos direito ao SNS para o qual pagam elevados impostos?

O maior financiador dos cuidados de saúde em Portugal ainda é o SNS, cerca de 65% de financiamento em 2022, um valor claramente inferior aos anos anteriores. Ou seja, cada vez mais são os cidadãos que pagam a saúde do seu bolso (35% da despesa anual de Saúde, quando a média europeia se situa nos 15,2%) e continuam a pagar cada vez mais impostos!

Se, como dizia o anterior Governo, nunca tivemos tantos recursos humanos no SNS e o OE para a saúde nunca foi tão elevado, o que é que falhou? Será incapacidade do Governo socialista e dos seus responsáveis? Será a ausência de verdadeiras reformas no SNS, nomeadamente na governação e na gestão? Ou será que falta mesmo “força de trabalho” no SNS? Ou será ainda uma mistura das três situações referidas?

O SNS herdado

O PS acusou a Aliança Democrática (AD) de querer abandonar o SNS. Afinal, quem abandonou nestes últimos 8 anos a essência do SNS? Um SNS em que a equidade está mais distante, em que as desigualdades se agravam de dia para dia, em que o acesso em tempo clinicamente aceitável está seriamente comprometido.

O atual Governo da AD herda um SNS a necessitar de organização e em sofrimento, onde escasseia o investimento público e a capacidade de resposta às populações é insuficiente. Nos últimos anos, nos cuidados primários o número de portugueses sem Médico de Família – mais 50% do que quando o PS chegou ao Governo! – é simplesmente inaceitável.

Por sua vez, apesar da dedicação e da resiliência dos profissionais de saúde, também os hospitais públicos enfrentam dificuldades de funcionamento, proliferando as urgências sobrelotadas e os encerramentos temporários de serviços, o incumprimento dos TMRG, situações indesejáveis com as quais não nos podemos conformar.

A gestão dos recursos humanos do SNS pelo anterior Governo foi desastrosa, levando à perda da motivação e da esperança dos profissionais, muitos deles exaustos, prejudicados na sua vida pessoal e com as suas legítimas ambições de carreira e perspetivas de formação comprometidas. Por isso, não é estranho que milhares de profissionais de saúde tenham optado por ficar a trabalhar em exclusivo no setor privado ou social, ou mesmo por emigrar.

Agora é tempo de mudar e é para essa mudança ao serviço dos portugueses que todos devemos trabalhar, empenhar o nosso saber e gastar as nossas energias. Os portugueses que elegeram o novo Governo da AD esperam dele uma visão estratégica, um caminho de confiança e esperança e uma forte capacidade de realização. O novo Executivo tem a missão de melhorar e aumentar o acesso, garantir uma resposta adequada, de qualidade e em tempo útil às pessoas – aumentando nestas também a literacia e um sentido de responsabilidade individual.

Precisamos de um sistema de saúde centrado num SNS forte, moderno, bem equipado, assente numa saudável e eficiente articulação com os setores privado e social, em que as capacidades e estruturas existentes em todo o sistema sejam plenamente aproveitadas, para que ninguém fique meses ou anos à espera dos cuidados de saúde de que carece. Necessitamos de reforçar as equipas multiprofissionais e a liderança clínica, e implementar um novo modelo de gestão próximo dos profissionais e centrado nas populações.

Desígnio nacional

Os doentes têm rosto, são pessoas, têm uma história, uma família, uma vida que nos deve sensibilizar a todos e que devemos respeitar. A saúde deve ser um desígnio nacional que nos deve unir a todos, em que nenhum partido político deve ficar de fora.

O maior valor do SNS é e sempre o foi a excelência dos seus quadros. Não os proteger, e até atacá-los, para além de ser injusto, é um erro lapidar. E estes erros do passado recente não podem voltar a acontecer. Colocar em causa a resiliência, a coragem ou a competência dos médicos e outros profissionais de saúde, como aconteceu com o antigo primeiro-ministro ou a antiga ministra da Saúde, revela o que a política tem de pior: tentar arranjar bodes expiatórios para justificar a incapacidade política.

Mas precisamos também de um SNS robusto, integrado numa política de promoção de comunidades saudáveis, com impacto em todos os sectores da sociedade. Em que a promoção da saúde, a prevenção da doença e a literacia da população sejam uma trave-mestra do SNS e de todo o sistema de saúde.

No estado atual da Saúde em Portugal, não se trata da escolha de modelos económicos, o que está em causa é mesmo um resgate social. Os governos socialistas, durante os últimos 8 anos, deram pouca atenção ao Estado Social. Por isso, neste novo ciclo político, é essencial que o Governo da AD apresente aos portugueses, na data prevista, o plano de emergência para a Saúde e a forma como vai decorrer a sua concretização.

Por outro lado, é também fundamental promover, durante os próximos meses, um amplo debate político com os principais agentes e pensadores da saúde. Precisamos de uma lei de bases da saúde inclusiva, moderna, flexível e progressiva, que respeite os profissionais, e promova a obtenção de ganhos em saúde para os portugueses e um melhor acesso aos cuidados de saúde. Precisamos de soluções que permitam alcançar um máximo denominador político comum, aproveitando também o trabalho sério da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde a que a antiga ministra Maria de Belém Roseira presidiu em 2018.

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