MIGUEL GUIMARÃES

SAÚDE, VERDADE E POLÍTICA 50 ANOS DE DEMOCRACIA E 45 ANOS DE SNS

Em 2024 celebramos 50 anos de democracia e 45 anos de SNS. Celebração que ocorre em pleno ato eleitoral para decidir um novo Governo e os novos deputados da Assembleia da República. Este acontecimento por si só já seria suficiente para exaltar os méritos de viver em democracia.

O SNS é referido com frequência como sendo a segunda maior conquista da nossa democracia, logo a seguir à liberdade. O que significa, na prática, que a fragilidade do SNS tem um impacto negativo na qualidade da nossa democracia. Mas, nos tempos mais recentes, as ameaças à nossa democracia não se limitam apenas às dificuldades que todos nós sentimos no SNS (cidadãos e profissionais).

A verdade e a política vivem tempos difíceis. Cada vez é mais difícil distinguir a verdade nos discursos políticos e nos comentários públicos. Onde mora a verdade e começa a mentira. Dito de outra forma, a verdade é muitas vezes aquilo que parece, que é transmitido massivamente sem o contraditório devido. A verdade não tem rosto e tem um rosto qualquer.

A verdade é construída sobre os alicerces de uma política enfraquecida, que vive em quem tem mais poder de intervenção e palco nos meios de comunicação social e nas redes sociais, onde a responsabilidade tem sido isenta e inimputável. Ou seja, a verdade é construída por quem tem o poder implementado e disseminado pelo território nacional.

Nem sequer existem “casos”. Mas sim opiniões de reputados “especialistas”, políticos ou não, que, em muitos casos, não respeitam a justiça nem todos nós, os outros. Também por isso, a nossa democracia está frágil.

As nossas liberdades, direitos e garantias, nunca estiveram tão deteriorados. E não admira que cada vez mais pessoas se sintam revoltadas, sentindo na pele que falta um rumo para o nosso país. Falta uma visão estratégica. Falta um sonho que possa abrir e devolver a esperança e a confiança. Falta a verdade, para acreditarmos que é possível fazer melhor e chegar mais longe.

Abraçar o presente e projetar o futuro

Entretanto, os 45 anos do SNS, associados à liberdade de pensar, podem ser um bom momento para abraçarmos o presente e projetarmos o futuro. E reconquistar uma democracia mais saudável e mais robusta. Reconquistar as pessoas, a dignidade, a empatia e a solidariedade. É a oportunidade de relançar o espírito reformista que o SNS e a Saúde em Portugal necessitam com urgência. Um espírito reformista que responda aos anseios e às carências dos nossos cidadãos. Em que o acesso aos cuidados de saúde seja um valor inegociável. Em que os cidadãos e doentes tenham acesso a informação certificada sobre a saúde e o seu funcionamento. Em que a comunicação com os doentes e cidadãos seja transparente, educada e objetiva. Em que exista um plano público para a saúde e para as pessoas, sustentado numa governance e numa gestão e organização de excelência, que privilegiem a autonomia e a responsabilidade.

As pessoas têm de conhecer a missão e os objetivos temporais das propostas para a saúde. Têm direito a saber quando têm médico de família e quais as suas competências e funções. Têm direito a saber para que servem os serviços de urgência, quando é que devem recorrer a estes serviços, e as alternativas propostas para quem não necessita de recorrer ao serviço de urgência. Têm de entender o que significam os “tempos máximos de resposta garantidos” e saber que têm direito a uma consulta de especialidade hospitalar ou a uma determinada cirurgia em tempo útil clinicamente aceitável para a sua patologia. E têm direito a ter alternativas rápidas quando o seu hospital não tem a capacidade de resposta desejável.

É essencial proporcionar aos cidadãos informação objetiva e credível sobre a promoção da saúde, a prevenção da doença e rastreios, a literacia em saúde e a forma correta de utilizar os serviços de saúde, a qualidade e resultados de todas as unidades de saúde dos setores público, privado e social, e das estruturas residenciais para idosos (lares). Só desta forma estamos a cumprir a nossa missão, respeitando as pessoas, a sua autonomia e poder de decisão, a sua liberdade de escolha.

 

Modernizar o SNS

As potenciais reformas que são essenciais para modernizar o SNS, que serão apresentadas nas eleições que se avizinham, devem ser devidamente escrutinadas e avaliadas. Devem ter por base a ciência, indicadores conhecidos de qualidade (nos quais se inclui o acesso) e experiências já existentes. E saber que benefícios têm para os cidadãos. Não podemos repetir os erros do passado recente.

Muito se tem falado sobre os serviços de urgência (incluindo maternidades), a atribuição de médico de família a todos os cidadãos, as carreiras dos profissionais e o acesso a cuidados de saúde hospitalares e cuidados continuados e paliativos. Pouco se tem falado sobre a promoção da saúde nas suas múltiplas vertentes, o registo eletrónico único, a reforma hospitalar incluindo uma nova Carta Hospitalar e um novo modelo de governance e de gestão, incluindo a organização dos serviços de saúde e a cooperação entre os setores público, privado e social. E muito pouco sobre a saúde dos lares e a saúde militar. E menos ainda sobre a importância vital de o Estado cumprir compromissos assumidos e sobre a essência de um processo de transformação do SNS com base nos 3Is (investimento, investigação e inovação).

O direito à vida faz parte integrante da Declaração Universal dos Direitos Humanos e está devidamente expresso na Constituição da República Portuguesa, tal como o direito à proteção da saúde. Nestes 45 anos de SNS e 50 de Democracia, é o momento de devolver a voz ao povo. De o fazer de forma civilizada, com visão e propostas objetivas e respeitando a verdade.

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