MIGUEL GUIMARÃES

EUREKA, TEMOS ULSNS!

A clamada “grande reforma” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi anunciada e apresentada como sendo a solução para os problemas que neste momento afetam a saúde em Portugal.

Transformar quase tudo em Unidades Locais de Saúde (ULS)! Foi como se, de repente, tivéssemos encontrado o “El Dorado”. As pessoas querem soluções. Vale a pena fazer uma reflexão sobre este anúncio e decisão, e apontar quais são neste caso as sete fragilidades capitais.

1. Os responsáveis pela Saúde não falaram com ninguém. Não falaram com os outros políticos, nem com os autarcas. Não falaram com os parceiros dos setores privado e social. Não falaram com as associações públicas e privadas que representam parceiros essenciais do setor da Saúde, como por exemplo os profissionais de saúde. Não falaram com os sindicatos. Bolas. Uma “grande reforma” do SNS não devia ser discutida e partilhada? 2. A decisão é tomada para todo o SNS sem qualquer avaliação prévia, sem um ou mais estudos que sustentassem a evidência de tal decisão. Na verdade, o único estudo conhecido e público que existe sobre esta matéria (comparação dos resultados das ULS já existentes com outras formas de organização dos serviços de saúde no SNS) realizado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) em 2014/15, em resposta a solicitação do ministro da Saúde Paulo Macedo (estudo no qual o desempenho das ULS foi avaliado ao nível do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, da qualidade dos serviços, da eficiência produtiva e do desempenho económico-financeiro), é claramente desfavorável às ULS. De resto, uma forma de contribuir para tornar o Estado um gestor mais eficiente é investir mais em recursos humanos especializados na contratualização, na colheita e análise de dados, e em sistemas de informação e de avaliação, dando prioridade e dimensão política às decisões tomadas com base na evidência reunida.

REGRAS ANUNCIADAS

3. As regras anunciadas, nomeadamente sobre o “novo” modelo de financiamento das ULS, não são aquelas que legalmente existem nas ULS, mas sim as que existem nos outros hospitais não ULS. Ou seja as outras unidades de saúde “não ULS” têm regras melhores e mais adequadas que asULS! Neste aspeto é essencial entender que estamos a falar de diferentes organiza- ções de hospitais e centros de saúde (ULS e as outras), que se refletem num conjunto de regras legais que são a marca distintiva de cada modelo de organização.

4. A decisão tomada de constituir 39 ULS, significa na prática substituir cinco Adminis- trações Regionais de Saúde (ARS) por 39 Administrações Locais de Saúde. Ou seja, aumenta a complexidade da gestão e cooperação das diferentes unidades de saúde, da sua intervenção e colaboração interinstitucional e da própria carta hospitalar no que respeita à organização e serviços de referência, nomeadamente os serviços de urgência.

INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE

5. As ULS foram concebidas para melhorar a integração de cuidados de saúde entre os hospitais e os seus centros de saúde de referência. Na verdade, apesar dos ganhos potenciais que tal organização possa configurar, na prática a integração de cuidados através de uma direção única, na contratualização global com os hospitais e centros de saúde, na existência de sistemas informáticos únicos e interativos, num financiamento ajustado à complexidade das situações clínicas, não aconteceu. De resto, a integração de cuidados de saúde pode ser alcançada de outras formas, em que possa existir uma maior proximidade entre as especialidades hospitalares e as especialidades de medicina geral e familiar e saúde pública.Vale a pena referir que no atual contexto a saúde pública não sabe ainda o que lhe vai acontecer, nomeada- mente no que respeita à participação na direção das ULS.

6. A partir do momento em que pratica- mente todas as unidades de saúde sejam transformadas em ULS, como vão ser geridas as diferenças significativas de remunerações base dos médicos e outros profissionais de saúde, com as mesmas competências e categorias nas respetivas carreiras, em que os indicadores e os incentivos passam a ser decisão das ULS e não das respetivas unidades de saúde? E o suplemento remuneratório especial por cada interno em formação específica passa a ser para todos os médicos especialistas que sejam orientadores de formação? Se o objetivo é agregar, unir e integrar dentro da mesma estrutura orgânica (ULS), nas questões referidas é essencial promover princípios de equidade com base nos padrões globais mais elevados de melhor dignidade e qualidade, mantendo os objetivos e evitando implicações nefastas na gestão global das próprias ULS. É necessário recordar que, com a mudança de regras previstas, não podemos comparar as atuais ULS com as ULS que potencialmente vamos passar a ter.

QUE BENEFÍCIOS?

7. Esta reforma foi apresentada como a grande reforma do SNS. Vale a pena recordar que as ULS já existem desde 1999, foram implementadas pela então ministra da Saúde Maria de Belém Roseira, e o objetivo foi ter uma forma de gestão e integração diferente dos cuidados de saúde, que devia ser devidamente avaliada ao fim de alguns anos de funcionamento. O que aconteceu em 2014/15 e com os resultados já referidos.

O que não sabemos e falta explicar: esta “reforma” vai trazer benefícios para os cidadãos? O acesso a cuidados de saúde vai ser mais fácil e vão ser cumpridos os TMRG? Os cidadãos vão ter todos mé- dico de família atribuído? A gestão inte- grada vai gerar poupanças? E as PPP, alvo de forte avaliação positiva nas auditorias e avaliações realizadas, afinal não servem para nada?

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