MIGUEL GUIMARÃES

SAÚDE, QUE PRESENTE PARA O FUTURO?

A saúde está na ordem do dia. Aos problemas herdados do Ministério da Saúde anterior, acrescem o agravamento dos mesmos e a existência de outros que tornam o SNS mais frágil e o acesso a cuidados de saúde mais difícil.

A direção executiva do SNS ainda não tem o seu estatuto aprovado pelo Governo, nem um fio condutor que nos possa transmitir esperança e confiança. E já passaram tantos meses! Apesar de algumas medidas positivas, no sentido de mitigar a excessiva burocracia existente, das quais vale a pena destacar a criação de Centros de Avaliação Médica e Psicológica (CAMP), a verdade é que continuam a faltar reformas estruturais que permitam modernizar o SNS e torná-lo mais competitivo.

O Ministério da Saúde tem seguido o mesmo caminho. Muitas notícias na comunicação social, algumas promessas, mas até ao momento nada de substancial se alterou. As novidades tornadas públicas insistem na criação de mais Unidades de Saúde Familiares modelo B (USF-B), mais Unidades Locais de Saúde (ULS), mais Centros de Responsabilidade Integrados (CRI), mais projetos-piloto na área da desburocratização, e a amplificação de medidas já conhecidas, mas, nada de novas reformas estruturais. Ou seja, as potenciais reformas passam pelo reforço de reformas ou propostas já realizadas no passado. Ainda assim, e seguindo este caminho, que pode ser positivo mas curto para a modernização necessária, seria sempre necessário adaptar as soluções existentes aos novos tempos, nomeadamente alterando a legislação existente para mudar e simplificar o acesso às USF-B, para atribuir às ULS autonomia e sistemas interligados com um modelo de financiamento e gestão distinto do atual, para modernizar o conceito de CRI e garantir unidades integradas nos sistemas hospitalares que sirvam os cidadãos, os profissionais e os serviços hospitalares. De resto, os CRI e as ULS em simultâneo não têm uma compatibilidade pacífica.

OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

O SNS mantém a sua capacidade de resposta graças à resiliência dos seus profissionais de saúde e aos milhões de horas extraordinárias que médicos e enfermeiros fazem todos os anos, muito para além da sua obrigação legal. Para além disso, o SNS gastou 170 M€ com prestadores de serviços médicos em 2022, ou seja foram contratadas 5,7 milhões de horas a prestadores externos. Mas também graças aos setores privado e social que fazem uma parte muito significativa dos diferentes cuidados de saúde através de acordos/contratos com o SNS. Neste momento o setor público paga cerca de dois terços da despesa global em saúde, mas o setor privado e social é o prestador de mais de metade dos cuidados de saúde. E a tendência de longo prazo, como nos é referido por Miguel Gouveia no seu mais recente livro Saúde e Hospitais Privados em Portugal, aponta para a redução do peso do Estado como financiador e como prestador de cuidados de saúde.

Para recuperar o SNS é essencial ter também uma atitude diferente. Uma atitude de liderança a nível da inovação e modernização. Mas também de uma nova gestão, em que a governação clínica, a liderança e o trabalho em equipa sejam os motores da mudança. Promover salários competitivos, que dignifiquem as profissões da saúde, que sejam atrativos para os profissionais mais experientes e para os jovens que iniciam a sua atividade profissional. Incentivar a qualidade através de indicadores objetivos e transparentes que permitam premiar os profissionais de saúde. Implementar carreiras profissionais como trave-mestra do sistema de saúde, que permitam a forma-ção, a diferenciação, o desenvolvimento profissional contínuo e em que atingir o topo da carreira não seja apenas uma miragem. Valorizar a investigação através da sua inclusão objetiva no horário de trabalho. Eliminar do trabalho assistencial dos médicos as tarefas burocráticas e administrativas, através, por exemplo, da otimização dos sistemas informáticos e da criação de centros específicos para aquelas tarefas (como os CAMP).

PENSAR DE FORMA GLOBAL

Para além disso, é necessário pensar de forma global, deixar o status quo, e implementar de forma inovadora e eficiente soluções que possam responder aos principais desafios que temos pela frente. O que implica reformas estruturais. Para esponder ao desafio demográfico. Para responder ao desafio do acesso aos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável. Para responder ao desafio da variação na prática clínica. Para responder ao desafio do uso ineficiente da informação. Para responder ao desafio dos cuidados integrados. Para responder ao desafio da duplicação, da medicina defensiva e do desperdício. Para responder ao desafio do atraso na adoção da inovação. Para responder ao desafio dos custos. Para responder ao desafio da necessidade imperiosa de uma “saúde global” e “uma só saúde” que respeite as pessoas, os animais e o ambiente. Para responder ao desafio da prevenção da doença e da literacia em saúde. Para responder ao desafio das desigualdades sociais e territoriais. Para responder ao desafio do aumento dos índices de pobreza.

Estes temas têm de ser incluídos na bússola que nos oriente para as reformas estruturais necessárias ao nível dos diferentes cuidados de saúde (primários, hospitalares, urgência/emergência, continuados, domiciliários, paliativos, prevenção, literacia, saúde pública).

Se assim não for, vamos continuar a andar em círculos, a projetar uma medida aqui e outra ali, até ao ponto final. E ficamos como dantes. Uns com mais, outros com menos e outros sem quase nada. E perdemos o código genético do nosso SNS.

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