MIGUEL GUIMARÃES

QUE RUMO PARA O SNS?

A democracia ajudou a construir, juntamente com os médicos, uma relação especial entre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o país. Com a democracia o país cresceu, mas sem consolidar os seus pilares essenciais. Sempre fomos grandes defensores dos direitos humanos. Mas, nunca conseguimos garantir na íntegra os direitos humanos em Portugal.

É verdade que ao longo da história, foram sempre existindo dois pesos e duas medidas. A justiça desespera por melhores dias. Na segurança social estamos no fio da navalha. Na economia continuamos a fazer as contas. Nos investimentos e nas finanças prolongamos a hesitação. Na educação grita-se por justiça. Na segurança estamos longe de nos sentirmos protegidos. No tecido empresarial defende-se mais apoio e mais justiça. Na saúde vivemos um momento único e preocupante. Com riscos cada vez maiores para as pessoas e para o SNS. No fundo, podemos dizer que o SNS é neste momento a imagem do país. Se o SNS estiver bem, o país está bem. Se o SNS estiver mal, o país está mal. E aqui vale a pena recordar que as desigualdades sociais aumentaram, que a classe média está a ser reduzida drasticamente, que os nossos salários são medíocres e estão na cauda da Europa, que a nossa dignidade já está a ser colocada em causa. E o PIB, que neste momento deveria ser bem mais elevado do que é atualmente, não deixa de nos surpreender. Assim é difícil, muito difícil. Sem o crescimento rápido e sustentado do PIB estamos condenados a penar.

O SNS está bem?

Voltemos ao SNS e ao país. O SNS está bem? Os números parecem complicar a avaliação. Mais de 1,5 milhões de utentes não têm médico de família atribuído. Muitos milhares de doentes veem o seu diagnóstico, estadiamento e/ou tratamentos atrasados, por falta de capacidade de resposta. Seja nas consultas, nos blocos operatórios, ou nos exames complementares de diagnóstico e terapêutica. Quantos milhares são hoje? Não sei, mas são sempre demasiados.

Os serviços de urgência precisam de emagrecer. Ficar mais saudáveis. Fazer aquilo que deveriam fazer. Mas, não param de engordar e a doença parece tornar-se sistémica. É possível resolver a questão dos serviços de urgência? É. É fácil? Sim, se forem dadas todas as condições para que tal possa acontecer. Não, se as mesmas condições não forem dadas.

O SNS está bem? Será que o SNS pode estar bem com os salários medíocres que pagam aos seus profissionais. Sim, as pessoas que todos os dias, 24 sobre 24 horas, fazem o SNS acontecer e salvam milhares de vidas. Sem elas não há SNS. Por exemplo, no caso dos médicos, a OCDE tem mostrado de forma reiterada que Portugal nada tem feito para melhorar os salários. Bem pelo contrário. Os médicos especialistas em Portugal ganham em média 4 vezes menos que em outros países europeus. A força de trabalho no SNS tem diminuído de forma constante, apesar de Portugal ser um dos países da Europa que forma mais especialistas per capita. O que salva o sistema de entrar em colapso são os milhões de horas extraordinárias que todos os anos são realizados.

Carreira médica

O SNS está bem? A elevada pressão por falta de médicos para as diferentes equipas-tipo em muitas áreas e outros fatores, podem conduzir a casos de burnout, sofrimento ético ou violência contra profissionais de saúde no local de trabalho. Adicionalmente, a profissão com taxa mais elevada de suicídio são os médicos (dados de um estudo americano recente). A carreira médica continua na prática congelada, sobretudo para a categoria de assistente graduado sénior e nas várias posições remuneratórias de cada categoria, impedindo que os médicos possam atingir o topo da carreira. Os motivos invocados já seriam suficientes para levar os médicos a tomar outras opções (legitimamente, diga-se). Mas existem outros.

Ano após ano, continuamos a insistir na avaliação e publicação de resultados clínicos nos setores público, privado e social, pelo menos para as grandes patologias. Continuamos a insistir num novo modelo de gestão, que vai chegando aos soluços e sem base sólida, para nos trazer a eficiência necessária. A prevenção e a literacia global robusta ainda são uma miragem. Gostava agora de olhar através da janela e ser surpreendido por uma boa informação nestas áreas. Seria um sinal muito positivo de que estaríamos no caminho da sustentabilidade e da saúde. E, apesar de alguma melhoria, continuamos com défices graves no planeamento e organização. Assim é difícil.

Capacidade competitiva

O SNS está bem? Bom, o SNS não consegue ser suficientemente competitivo com o setor privado e com os outros países europeus na captação de capital humano. E muitos especialistas com experiência estão a abandonar o SNS. Terá capacidade competitiva noutras áreas. Sem dúvida. Mas sem os médicos necessários, é tudo mais difícil. Há demasiado por fazer. O Governo tem a missão e o dever de dinamizar, garantir e deixar crescer. Tem a missão de agregar e apoiar. De contribuir para combater as desigualdades sociais, mantendo a energia da classe média. De identificar problemas e encontrar soluções. Tem também a missão de construir pontes centradas na humildade e capacidade de negociação.

O SNS faz parte de uma história que todos nós queremos honrar. É fundamental existir um pacto de regime para a defesa e modernização do SNS. Pelo menos entre os dois maiores partidos políticos. Mas envolver também os representantes da sociedade civil, nomeadamente dos profissionais de saúde e dos doentes. Não podemos continuar a assistir ao desespero das pessoas e simplesmente deixar andar. A saúde e a doença não devem esperar. Esta é uma obrigação de todos nós.

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