MODERNIZAR A SAÚDE, RENOVAR A ESPERANÇA E COMBATER AS DESIGUALDADES
Numa altura em que a Saúde atravessa momentos de mudança, a Ordem dos Médicos realizou o seu 25.º Congresso Nacional, em Braga, com o objetivo de abrir caminho para um futuro (e um presente) de esperança renovada.
Porque estamos conscientes de que é fundamental (re)conquistar a confiança dos cidadãos – doentes, médicos e profissionais de saúde – no sistema de saúde português e, nomeadamente, no nosso Serviço Nacional de Saúde, neste momento crítico, proteger e cuidar de todas as pessoas deve ser a prioridade da Saúde e da legislatura. Mas é preciso fazer acontecer. É necessário ampliar e valorizar o capital humano. É fundamental construir uma verdadeira política de saúde que seja consistente, moderna e eficiente, que envolva os médicos e profissionais de saúde, que sirva o interesse público e todos os cidadãos. Só essa consistência nos dará efetivamente uma esperança renovada. Já nos dizia Confúcio que “o Homem sem constância não pode ser consolador nem médico”. Pois ser médico é cuidar, tratar e salvar vidas. Honrando um juramento e outorgando a nossa vida em prol da humanidade. E o que estes médicos reclamam é que os decisores políticos tomem as decisões que lhes permitam precisamente ser médicos nas suas múltiplas dimensões. Aligeirando o desespero, o desalento, a revolta, as lágrimas, a exaustão e o sofrimento ético que tantas vezes enfrentam nos seus locais de trabalho por não terem as condições adequadas para tratar e cuidar, da melhor forma possível e de acordo com a medicina mais atual, os seus doentes.
SAÚDE EM MUDANÇA
Sob o mote “Saúde em Mudança”, a Ordem dos Médicos deu mais um contributo decisivo. Do lado da solução. Assente na evidência científica, nas opiniões do terreno e na multidisciplinaridade que complementa a medicina e a evolução tecnológica dos nossos dias. Discutimos novos modelos de gestão que permitam aumentar a eficiência dos serviços de saúde. Analisámos como podemos proteger as áreas mais periféricas e mais desfavorecidas. Privilegiámos formas de melhorar o acesso a cuidados de saúde de qualidade em tempo clinicamente aceitável, bem como o eficiente uso de informação com diminuição da duplicação e do desperdício. Não foi esquecido o tema dos cuidados integrados e o acesso célere à investigação e à inovação terapêutica e tecnológica. Aos 43 anos de SNS e com uma nova direção executiva, não podemos falhar, e continuar a perder o nosso capital humano. O diagnóstico está feito, é preciso agora passar a uma próxima fase. A fase da ação, de fazer acontecer, não insistindo em fórmulas gastas sem bons resultados. Não podemos continuar a somar insucessos.
Mas nada se conseguirá conquistar sem que se combata um dos grandes desafios que temos em Portugal e do qual menos vezes se fala no âmbito da Saúde: as desigualdades. Não só de acesso à saúde, mas também sociais. Desigualdades que se estão a acentuar e que fazem com que, todos os dias, mais pessoas precisem da nossa ajuda. O panorama acentuado pela guerra e pela inflação que está a gerar uma nova crise financeira, requer de nós, enquanto país – sociedade, médicos, profissionais de saúde, políticos, entre outros –, uma intervenção global. É também por isso que o SNS é absolutamente essencial, não podemos deixar cair uma das principais conquistas da nossa democracia. Mas não se confunda a necessidade com a exclusividade. Devemos aos nossos concidadãos uma cooperação mais eficaz, regulada e também fiscalizada com o setor privado e com o setor social. Os portugueses precisam de respostas em saúde. Não interessa onde, interessa sim que seja uma resposta de qualidade, com a ética, o humanismo e a competência a que os nossos médicos sempre nos habituaram.
As desigualdades são de facto um flagelo e têm repercussões em todas as áreas da vida. A primeira dura realidade é que uma em cada seis pessoas em Portugal se encontra em risco de pobreza. O segundo choque é que estamos a piorar. Os dados da Pordata revelam que o número de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social aumentou 12,5% em 2020, comparativamente a 2019. Esta foi a primeira subida registada desde 2014. Sem os apoios sociais, 4,4 milhões de pessoas são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza [554 euros mensais].
A comparação com a Europa não nos coloca num lugar privilegiado, nem sequer aceitável. Portugal foi o 2.º país, dos 27 da UE, com mais pessoas a viver em alojamentos com más condições (25%): uma em cada quatro casas. E, em 2021, foi o 5.º país com mais população incapaz de aquecer convenientemente a habitação (16%). Seis em cada 10 pessoas com rendimentos abaixo do limiar da pobreza não conseguem fazer face a qualquer despesa inesperada, o que nos coloca em 13.º lugar na União Europeia.
POR UMA MELHOR SAÚDE
Paradoxalmente, as famílias portuguesas nunca gastaram tanto com a saúde como em 2021. A despesa direta, out-of-pocket, das famílias ascendeu a quase 6,8 mil milhões de euros, o que coloca Portugal como um dos países da OCDE onde a percentagem dos gastos diretos é mais elevada. Estes gastos correspondem sobretudo a consultas no setor privado, na maior parte dos casos por não haver resposta em tempo útil no SNS, bem como com a realização de exames não apoiados pelo Estado ou à compra de medicamentos.
Recentemente, na última reunião da Convenção Nacional da Saúde, que se realizou na Ordem dos Médicos, em Lisboa, foi apresentado o Relatório de Avaliação de Desempenho e Impacto do Sistema de Saúde (RADIS) que também nos revelou vários dados importantes (e preocupantes) sobre esta matéria. Nomeadamente, ficamos a saber que Portugal é o 7.º país “mais desigual” da União Europeia.
Estes números transmitem uma mensagem essencial: a Saúde tem de ser levada em consideração em todas as políticas. As desigualdades desprotegem os mais fracos que, consequentemente, vão precisar de mais cuidados de saúde. Porém, com a equidade de acesso comprometida, estamos a ficar cada vez mais longe do código genético do SNS. Não podemos permitir que estes problemas alcancem o ponto sem retorno. Precisamos de ação e de mudança. De esperança renovada, por uma melhor saúde, prontos para um combate eficaz às desigualdades. Os médicos, que orgulhosamente represento enquanto bastonário, farão a sua parte. Pois numa saúde em mudança, a sua solidariedade, humanismo, ética, competência, dedicação e resiliência são as únicas constantes com as quais os doentes podem contar.