MARIA DE BELÉM ROSEIRA

“ESPERA O INESPERADO”Considerado um dos maiores pensadores vivos dos séculos XX e XXI, Edgar Morin celebrou os seus 100 anos de vida, no passado dia 8 de julho. Com a serenidade que os anos lhe acrescentaram e com a convicção lúcida e realista que não o abandona, continuará a enriquecer-nos com a força do seu pensamento. Edgar Morin é um invulgar caso de longevidade, permanentemente interventiva, lúcida, criativa, coerente, consistente e visionária, que continua a deslumbrar-nos com as propostas que apresenta para a abordagem dos grandes problemas que a Humanidade tem enfrentado e continua a enfrentar ao longo deste período de profundas transformações. Descendente de judeus sefarditas – diz de si próprio ser um neomarrano1 –, marcado pelo desaparecimento precoce de sua mãe, soube aprender consigo mesmo e as suas circunstâncias, transformando o sofrimento em superação de cujo resultado todos hoje somos beneficiários. Filósofo, sociólogo, antropólogo, é formado em Direito, História e Geografia, uma formação que abrange as ciências humanas e as da natureza e que o habilitou com um conhecimento enciclopédico capaz de conceber uma teoria celebrada e, ainda hoje, ímpar, para a abordagem dos problemas complexos que caracterizam os dias e os fenómenos que na atualidade mais nos afligem e nos atingem enquanto comunidade, a uma velocidade cada vez mais acelerada. Para além disso, é autor de obra escrita extensa e celebrada, designadamente em epistemologia. 

Abordar a complexidadeDiz Morin que o aprofundamento da especialização do conhecimento, em que cada vez mais os especialistas sabem mais sobre cada vez menos, não habilita ao encontro de respostas para as questões complexas que afetam a Humanidade. É que estas não estão separadas nem podem ser isoladas porque se interpenetram. O todo é diferente da soma das suas partes! Consequentemente, “religar, religar, religar, é cada vez mais necessário” em termos de conceitos e de pensamento, no seu dizer, pelo que será necessário mudar de paradigma para abordar a complexidade. O étimo latino complexus significa “o que é tecido em conjunto”. Por isso é que só conseguiremos interpretar os fenómenos complexos que atingem a Humanidade através de uma dupla perspetiva que aborde o físico e o emocional “religando-os”. 

Só muitos anos mais tarde António Damásio viria a demonstrar, através da sua investigação a nível das neurociências, que a racionalidade sem emoções e sentimentos conduz a decisões erradas e desajustadas. E as ciências, em geral, e as políticas, em particular, estão longe de estabelecer essa ligação entre o que é físico e o que é psíquico, o que é material e o que é imaterial, o que as impede de abranger e interpretar a dimensão global dos fenómenos e construir formas inteligentes de os enfrentar. A especialidade é necessária, mas para permitir a singularidade no seu contexto. Se só nos permitir ver pequenas coisas, perderemos o essencial. A superespecialização do conhecimento falha na capacidade de interpretação da complexidade dos fenómenos, que são globais. É necessário abordar uma dupla lógica – a que ele chamou “dialógica” – que pense simultaneamente as contradições e as complementaridades, sem medo da “desordem”. Por isso é que, para enfrentar um mundo complexo, é indispensável desenvolver o pensamento estratégico que permita identificar e agarrar as oportunidades e enfrentar as adversidades. Em busca das mensagens simples e das promessas ilusórias, esta abordagem anda cada vez mais afastada, designadamente do exercício da ação política. Esta, cada vez mais aposta em agendas de curto prazo – problema que abordou em “O Grau Zero do Pensamento Político”–, em que “a urgência do essencial foi trocada pelo essencial da urgência”. 

Uma leitura diferente da realidadeMorin é um investigador que identifica o amor, a amizade, a solidariedade como verdades universais inerentes ao ser humano que podem produzir todas as transformações necessárias. Por isso investe tanto na sensibilização e capacitação das pessoas para que consigam ter uma leitura diferente da realidade e a enfrentem de uma forma mais abrangente e relacionada do que aquela que apenas usa conhecimento compartimentado. Edgar Morin habilita-as a dar uma resposta positiva ao serviço da construção do ideal do “bem comum”. Vanguardista permanentemente atualizado, deposita uma confiança inabalável na juventude e na energia motriz que constitui seu apanágio. Acredita que ela conseguirá conjugar novas forças, por meio da internet e das novas tecnologias, que contrariem os instalados e os acomodados, construindo ideias novas que nos habilitem a prevenir e enfrentar as catástrofes que visualizamos no horizonte através do aprofundamento daquilo que apelida de um “gérmen de futuro promissor” que aprofunde a liberdade e o reconhecimento da dignidade. 

Conselho sábio“Espera o inesperado” é um conselho sábio que nos transmite e que devemos reter! Conhecemos bem a importância dos “cisnes negros” na inversão de resultados ou ocorrências que consideraríamos expectáveis! Só posso dizer obrigada pelo privilégio de conhecer pessoalmente Edgar Morin e ter tido a possibilidade de beber em direto da sua inesgotável sabedoria. Privilégio que fico a dever a Isabelle Oliveira, professora na Sorbonne, amiga comum e fundadora, em Paris, do Institut Lusophone, que Morin tanto acarinha. Isabelle Oliveira foi uma das poucas personalidades convidadas como oradoras na sessão de homenagem que a UNESCO entendeu promover-lhe no dia 2 de julho, e convidada também pelo Presidente francês Emmanuel Macron para a sessão de felicitações que entendeu promover no dia do aniversário no Palácio do Eliseu. 

Com a serenidade que os seus 100 anos lhe acrescentaram e com a convicção lúcida e realista que não o abandona, Edgar Morin continuará a enriquecer-nos com a força do seu pensamento. Parabéns, Monsieur Morin! Saúde e longa vida, pois, com um imenso obrigada pela profundidade de pensamento que nos tem transmitido para aprofundamento de um espírito crítico e construtivo capaz de interpretar corretamente para, também assim, poder agir! 

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