MARIA DE BELÉM ROSEIRA

“HABEMUS PAPAM 

A extraordinária adesão popular à profunda refundação da Igreja que o Papa Francisco empreendeu incansavelmente durante o seu pontificado começou com a simplicidade da primeira mensagem que endereçou à multidão que o aguardava na Praça de S. Pedro, bem como a todo o mundo, logo a seguir à sua eleição. A simplicidade da forma como se exprimiu e a força do conteúdo das palavras que então proferiu no sentido de reconduzir a Igreja à mensagem original de Cristo foi absorvida como se de oxigénio puro se tratasse. O nome que escolheu – o de Francisco fundador da ordem iniciadora da ecologia e do desprendimento pelos bens materiais – foi a primeira surpresa, pois ele próprio era jesuíta. E desenvolveu uma ação alargadamente reconhecida como tendo recolocado as prioridades certas na ação da Igreja, desde a opção pelos mais pobres, a ação de acolhimento dos refugiados e a encíclica “Laudato Si” em defesa da nossa “Casa Comum” e do equilíbrio ecológico, numa perspetiva de harmonia e coerência que a “Fratelli Tutti”acentuava, responsabilizando-nos a todos. 

O desalento com a sua morte significava não apenas a dor de perder alguém com quem se construiu uma relação de imensa admiração e de fundada esperança, mas também o receio de que todas as transformações que tinha conseguido levar a cabo – apesar das enormes resistências do interior Igreja e do crescente ambiente em sentido contrário das políticas nacionais e globais – viessem a ser postas em causa pelo seu sucessor. 

Mas mais uma vez fomos surpreendidos positivamente: afirmou-se, logo na sua primeira mensagem urbi et orbi como integrando a linha transformadora do Papa Francisco no que se refere às questões que este colocou na centralidade do seu múnus. Mas a sua vivência sugere que o fará assente numa profunda preparação teológica. É agostiniano. O nível da sua preparação intelectual e argumentativa atenuará, estou em crer, grande parte das resistências conservadoras cujos argumentos mais não são do que a revisitação de dogmas que a racionalidade sensível que hoje impera não permite sustentar. Mas a esse prisma acrescenta a firme vontade de repor na agenda do seu pontificado a Doutrina Social da Igreja desenvolvida pelo seu antecessor Leão XIII, cujo nome adotou, precisamente por nos encontrarmos numa época semelhante de profunda transformação do mundo do trabalho. Naquele tempo, vivia-se a Revolução Industrial que, ao criar profundas desigualdades de rendimento, fomentava graves e injustas fraturas sociais, para além do seu impacto no desequilíbrio do mundo do trabalho enquanto instrumento que deve ser ao serviço da dignidade humana; agora, por força da revolução digital e do seu impacto, também no mundo do trabalho e no acentuar brutal das mesmas desigualdades de rendimento destrutivas dos valores que nos devem nortear enquanto sociedades humanas, a que acresce o risco da destruição da nossa “Casa Comum” e dos equilíbrios que a compõem, colocando em risco todo o ecossistema. 

Como afirmava o Cardeal Solana, secretário de Estado do Vaticano em carta escrita em 2004, ao cardeal presidente do Pontifício Conselho “Justiça e Paz” a propósito da publicação do Compêndio da Doutrina Social da Igreja: “põe-se assim de manifesto como a Igreja não possa cessar de fazer ouvir a sua voz sobre as res novae, típicas da época moderna, porque a ela compete convidar todos a prodigar-se a fim de que se afirme cada vez mais uma civilização autêntica voltada para a busca de um desenvolvimento humano integral e solidário”. 

Em época de tão profundos e assustadores desequilíbrios geopolíticos, económicos, sociais e ecológicos como aquela em que estamos a viver, só posso desejar ao novo Papa Leão XIV as maiores felicidades para levar a cabo as mensagens de esperança e de abertura praticadas por Francisco. Só assim a Igreja conquistará a projeção no mundo do poder transformador da mensagem de Cristo que tem por missão aprofundar e espalhar. 

 

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