MARIA DE BELÉM ROSEIRA

A GOVERNAÇÃO DA SAÚDE E A GOVERNAÇÃO PARA A SAÚDE 

O número deste mês da FRONTLINE é uma edição de aniversário e, por isso, está de Parabéns, com a expressão dos meus votos de longa vida, em tempos de todas as incertezas. Na verdade, no género que integra, a longevidade que já conta, sempre conseguindo garantir uma qualidade e um pluralismo insofismáveis, não é comum. É, pois, motivo de celebração! 

Mas já que se encontra em curso, também este ano, a comemoração dos 50 anos da nossa Democracia e os 45 da criação do SNS, considerei que faria sentido invocar um outro aniversário, o de uma instituição menos alargadamentefalada, mas à qual os progressos nos níveis de saúde dos portugueses muito devem. 

Refiro-me ao Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, vulgarmente conhecido por INSA, que no passado dia 12 de novembro comemorou os seus 125 anos de existência. Um século e um quarto é já verdadeiramente uma efeméride merecedora de celebração redobrada, mas uma celebração que se orgulhe do passado e o invoque em balanço que se transforme em fonte de exigência para a construção do seu futuro. 

E vale a pena começar pelo nome que o identifica, o do Professor Ricardo Jorge, o verdadeiro criador e impulsionador da Saúde Pública em Portugal. Numa sua excelente biografia, intitulada Ricardo Jorge, Ciência Humanismo e Modernidade, o seu autor, Rui Manuel Pinto Costa, a ele se refere como “indivíduo multifacetado: médico, cientista, higienista, hidrologista, ensaísta, polemista, crítico de arte, político, historiador da medicina e escritor dotado de vastacultura, recai com toda a propriedade no rol daqueles personagens mitificados não só pelos contemporâneos mas também pelos seus pares do universo médico. À custa do carácter pessoal e do papel desempenhado enquanto porta-estandarte da renovação da saúde pública, passou a integrar o panteão laico onde a figura do cientista começou a ser deificada e elevada ao estatuto de personalidade referencial e venerável”. 

Dele dizia o seu contemporâneo Camilo Castelo Branco que o seu estilo “desatrema de tudo que se conhece emoratória parlamentar, em dialética académica, em eloquência cívica dos clubes e até em oratória de púlpito”. 

Professor, investigador e humanista, nascido no Porto e excelente aluno da sua Escola Médico-Cirúrgica, depois de uma primeira incursão nos terrenos da Neurologia, na altura praticamente desconhecida no país, acabou por se dedicarà Higiene Social e colocar todos os seus talentos ao seu serviço. Primeiro, na cidade do Porto, onde desenvolveu um trabalho extraordinário que lhe valeu o reconhecimento nacional e internacional. Mas o obscurantismo da populaça, instrumentalizada por políticos de fraca qualidade, reagiu violentamente às medidas sanitaristas adotadas para enfrentar a peste bubónica, pelo que veio para Lisboa onde depois presidiu, ao Instituto de Higiene, entretanto criado e, mais tarde, ao Instituto de Saúde Pública, tendo sido, posteriormente, designado diretor-geral da Saúde. 

Foi pioneiro da incorporação da prática laboratorial da microbiologia e da bacteriologia no sanitarismo, bem como da utilização da estatística na análise demográfica para, com base nela, aprofundar o impacto das condições sociais nos níveis de saúde populacional. Deu, assim, impulso às mais modernas formas de conceptualização das políticas de saúde que reconhecem que a saúde se constrói dentro do sistema de saúde mas, mais ainda, fora dele. São os chamados determinantes da saúde, na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), “os fatores não médicos que influenciam os resultados em saúde: as condições de vida nas quais as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem envelhecem, e o mais amplo conjunto de forças e sistemas que moldam as condições de vida diária.” 

É neste contexto que o INSA tem que recuperar a sua função de Observatório de Saúde para, através da análise das condições de vida da população portuguesa, aconselhar, com base na evidência científica, as políticas que melhor contribuem para a redução das desigualdades em saúde. Só através da Saúde em todas e para todas as políticas, o que implica intersectorialidade, analítica dos dados e ação de todos os atores e da sociedade civil, conseguiremos a inclusão social a que a racionalidade obriga e a sensibilidade reclama. Da Saúde Pública, diz Lawrence Wallack ser “o lugar onde a ciência, a política, os políticos e o ativista convergem”. 

O Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge é um inestimável ativo institucional não só a preservar como a promover e dotar dos investimentos necessários que a ciência hoje reclama e a transformação digital potencia. Com um inquestionável prestígio nacional e internacional, integra aquele conjunto de instituições capazes de promover a nossa auto-estima individual e coletiva. E bem sabemos que não há democracias fortes sem instituições fortes também. 

Parabéns ao INSA e a todos quantos, ao longo dos seus 125 anos de vida, lhe dedicaram saber e afeto, tendo sabido colocá-lo na vanguarda para conseguirmos vencer as ameaças que a modernidade, em todas as suas vertentes, nos coloca e que só com afinco, dedicação, competência, serenidade, energia e firmeza, ultrapassaremos coletivamente com sucesso. 

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