MARIA DE BELÉM ROSEIRA

No passado dia 11 de março, a Fundação Altice Portugal – entidade que sucedeu à Fundação PT – decidiu comemorar o seu aniversário apresentando, em sessão pública, a perspetiva de construção da sua ação futura por forma a corporizar mais profundamente os valores que devem presidir à sua atuação e os projetos que deverá desenvolver no âmbito da responsabilidade social corporativa.

Muito se tem teorizado sobre este conceito, seja numa perspetiva de estratégia empresarial, seja numa perspetiva de partilha de valores num mundo cada vez mais interdependente e em que os cidadãos são cada vez mais exigentes, porque mais esclarecidos. O certo é que enquanto conceito, tal como ele hoje é percecionado, foi sendo construído ao longo do século passado, incentivado pelas violentas crises que o atravessaram e perante as quais as empresas teriam que ter um papel a desempenhar.
O que sabemos hoje é que não é aceitável, no mundo empresarial, uma postura que tenha como visão que o papel da empresa seja apenas o de criar valor para os acionistas (na linha da teoria de Milton Friedman). Os próprios consumidores não o aceitam. Por isso é cada vez maior o número de companhias, a nível global, que desenvolvem políticas de responsabilidade social corporativa porque compreenderam que teriam que mudar radicalmente a perceção que causavam na sociedade.
Hoje é cada vez mais clara a noção dessa necessidade, e os instrumentos disponíveis, como os inquéritos de opinião, têm vindo a demonstrar aquilo que começou por ser apenas uma perceção. Para só falar de dados mais recentes, numa sondagem realizada pela Deloitte, em 2018, junto dos nascidos após 2000, referida durante a reunião de janeiro deste ano do Fórum Económico Mundial, 40% dos millennials considerava que o objetivo primeiro das empresas deveria ser o de “melhorar a sociedade”. Ora, tal como foi objeto de análise no referido fórum e constituiu um dos seus importantes momentos – a propósito da análise da Economia Global em Transição e o Futuro da Empresa –, em 2020, 40% dos consumidores serão precisamente os millennials, o que revela bem a importância de ter em conta aquilo que eles valorizam nas práticas empresariais.

Enquadramento diferente
Partindo da constatação da turbulência do tempo em que vivemos, marcado pela pobreza, pelas desigualdades crescentes, pelo desemprego jovem, pelo emprego de má qualidade e pelas alterações climáticas, o escrutínio sobre a ação dos dirigentes empresariais será cada vez maior, pelo que fará todo o sentido uma postura mais virada para uma atuação sensível aos problemas da envolvente das empresas. O resultado desta sondagem apontava, pois, para que o futuro da atividade empresarial tivesse de ser o da “missão” das empresas e não apenas o da prossecução do lucro. De acordo com esta análise, “lucro com propósito” deveria passar a ser a nova norma, e os CEO do futuro deveriam querer que as suas empresas fossem reconhecidas como “forças para o bem”.
Partilho da convicção daqueles que consideram que nenhuma empresa pode ter sucesso, e muito menos sucesso duradouro, se não cuidar da melhoria do bem-estar da comunidade onde se insere. Sustentabilidade social caminha a par de sustentabilidade económica e de sustentabilidade ambiental. E hoje a indiferença ou uma cultura de pregação dos recursos internos ou dos recursos coletivos não é aceitável.

Desempenho sustentável
Percebendo esta tendência, atualmente, já cerca de 90% das maiores companhias mundiais produzem relatórios de desempenho sustentável usando as métricas estabelecidas pela Global Reporting Initiative, ou outras, o que atesta bem como a exigência de cuidar da envolvente social e ambiental é um fator crítico de sucesso.
Uma empresa como a Altice Portugal, prosseguindo na sua trajetória assumida de empresa com cultura de responsabilidade social, deve aprofundar e atualizar o seu envolvimento neste movimento global, partindo da análise dos indicadores sociais e económicos do país, relativamente aos quais escolha ter uma intervenção positiva, quer através de ação própria, quer estabelecendo as parcerias certas.
Se olharmos para esses indicadores, constatamos elevados níveis de pobreza, níveis baixos de qualificação das pessoas, enormes desigualdades de rendimentos e profundas assimetrias territoriais. Mas constatamos, também, numerosos núcleos de excelência, aos quais, por vezes, falta apenas um pequeno impulso para que possam atingir altos voos.
Será responsabilidade da Altice Portugal resolver todos estes problemas? Certamente que não! Mas deve ser responsabilidade da Altice Portugal olhar para a realidade no âmbito da qual opera e ponderar, primeiro, e agir, depois, no sentido de dar um contributo competente para que o país possa dar um salto no sentido do desenvolvimento.
Segundo Antón Costas, em artigo recentemente publicado no El País, “com o conhecimento que decorre de novos dados, os economistas sabem que equidade social e eficiência económica não estão em conflito; ao contrário, uma sociedade mais justa produz uma economia mais sã e sustentável”. Se assim é, faz todo o sentido o programa de intervenção que a Fundação Altice Portugal, apresentou na comemoração do seu aniversário, no sentido de aprofundar algumas ações que já tem em curso, como, por exemplo, o alargamento da literacia digital.
De acordo com os dados do INE baseados no Censos de 2011, Portugal tem cerca de meio milhão de analfabetos (5% da população, uma das taxas mais elevadas da Europa). Destes, cerca de 30 mil encontravam-se em idade ativa. Reportado à mesma data, 27,2% da população possuía apenas o ensino básico.
Ora, é conhecida a relação entre o grau de habilitação e o nível de literacia, significando esta a capacidade de usar a leitura e a escrita como forma de adquirir conhecimentos, desenvolver as próprias potencialidades e participar ativamente na sociedade. Se não a possuirmos, ficaremos arredados do crescimento enquanto pessoas e impedidos de participar de forma cidadã, requisito básico das democracias mais aperfeiçoadas.
A profunda transformação civilizacional que marca a época atual, de crescente impacto das tecnologias digitais em múltiplas e variadas dimensões da nossa vida, quer no espaço público, quer no espaço privado, virá acrescentar à iliteracia referida a iliteracia digital, ainda mais trágica, se possível. Na verdade, existindo faixas significativas da população portuguesa incapacitadas de lidar adequadamente com as novas tecnologias, as pessoas que as integram ficarão excluídas do acesso a bens e serviços essenciais à sua vivência diária, agravando as desigualdades que já as afetam, para além de ficarem altamente vulneráveis a novas formas de exploração. Sendo a Altice Portugal uma empresa da área tecnológica, ajudar a combater a iliteracia digital é, pois, um campo de intervenção em termos de responsabilidade social que pode inequivocamente desenvolver, porque essa capacitação é indispensável para o equilíbrio da sociedade, e esse equilíbrio é, por sua vez, importante para o sucesso da empresa. Naturalmente, outros domínios existem, a nível do desenvolvimento humano, que devem fazer parte dos seus objetivos. Requer-se alguma radicalidade de conceção que nos permita ultrapassar o estádio de preocupação com uma segurança de mínimos para uma conceção de investimento na capacitação que aproveite o potencial com que nascemos – a “potência” de que falava Espinosa – mas que as circunstâncias de cada um não permitiram que se desenvolvesse.
O que se passa à nossa volta não é irrelevante. Por isso não podemos responder-lhe com indiferença. Tudo tem a ver connosco e com o coletivo que em conjunto constituímos, bem como com o futuro partilhado que pretendemos. Lucro com propósito é, pois, um ótimo lema para um novo arranque!