MARIA DE BELÉM ROSEIRA

AVANÇO CIENTÍFICO

Por muito estranho que possa parecer, as guerras são épocas de grande avanço científico em diferentes domínios, mas vou focar-me especificamente no da Saúde. Com efeito, o terrível impacto que a destruição de seres humanos em larga escala provoca faz aprofundar os conceitos que presidem ao enquadramento da essência da vida humana e da necessidade de proteção da sua dignidade como princípio básico norteador de todas as intervenções, seja no plano jurídico, seja no plano de realizações concretas que possam pô-la em causa ou feri-la de qualquer forma.

O avanço científico na medicina, conseguido com base na experimentação em seres humanos, sobretudo a partir de finais do século XIX, já vinha reclamando a definição de regras éticas balizadoras da mesma, mas foram, sobretudo, as monstruosidades de experimentação médica realizadas durante a Segunda Guerra Mundial que determinaram a adoção de um instrumento com força jurídica própria, o Código de Nuremberga, logo em 1947. Por sua vez, a Associação Médica Mundial, em 1949 primeiro e, mais tarde, em 1964 em versão revista, aprova o Código Internacional da Ética Médica, que, com base na regra de que o bem-estar dos doentes tem precedência sobre os interesses da sociedade e da ciência, cristaliza como princípios básicos da Ética Médica os da Autonomia, da Beneficência, da Não-Maleficência e da Equidade.

Naturalmente que tem havido a necessidade de ir precisando e atualizando os instrumentos de Direito Internacional que regulam esta matéria e que têm poder vinculativo em Portugal através da sua ratificação pelo Estado.

Sublinho a importância do princípio da Equidade, assente na justiça distributiva, que visa assegurar o acesso de cada pessoa, de forma justa, ao tratamento adequado à sua condição, conjugado com o da autonomia de cada um a decidir sobre si próprio – a autonomia moral definida por Kant – pois tem uma aplicação prática quase permanente.

Em contexto de enorme velocidade no progresso do conhecimento científico mas de limitação de recursos, e de necessária conjugação com a liberdade dos pacientes na decisão sobre os tratamentos a que entendem querer submeter-se, as ponderações éticas transformaram-se no dia a dia das nossas instituições de saúde nos domínios da formação médica, da assistência médica e também da investigação científica, e invadiram, também, o da gestão das instituições.

Como colocar as pessoas em primeiro lugar em termos organizacionais é um imperativo, e como fazê-lo determina a busca de novos modelos que implicam profundas transformações, também de mentalidade, porventura as mais difíceis de conseguir.

É o que se passa com o modelo de “Value Based Healthcare” (VBH), teorizado por Michael Porter para efeitos de gestão, mas que, na minha leitura, constitui o desenvolvimento do princípio da Autonomia, uma vez que visa alcançar, em termos de resultados em saúde, aqueles que para o doente são mais valorizados.

Só que, frequentemente, não está ao alcance nem da autonomia das instituições, nem dos recursos de que dispõem, operar as transformações requeridas para a sua implementação, designadamente as de tecnologia digital. Razão pela qual são essenciais impulsos externos que, suportando a iniciativa e a criatividade de equipas de profissionais, disponibilizem o financiamento e o conhecimento para a concretização de projetos com potencial transformador positivo.

Foi o que aconteceu recentemente com o concurso promovido pela Gilead “ Mais Valor em Saúde”, no âmbito da sua responsabilidade social – hoje em dia marca de água para a reputação das companhias – que, em articulação com parceiros especialistas em gestão e tecnologia digital, entendeu aprovar o financiamento em espécie da consultoria especializada para a concretização de projetos em quatro instituições do SNS com potencial transformador, localizados em várias zonas do país. Motivaram-se as equipas – e sem isso não conseguimos retê-las no SNS – melhora-se a prestação dos cuidados respeitando os princípios éticos da intervenção em Saúde e proporciona-se a replicação de boas práticas, pois todos os projetos vencedores têm esse potencial.

 

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