DEMOCRACIA, DESCOLONIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO
Estes foram os grandes objetivos traçados no Programa Movimento das Forças Armadas para a Revolução do 25 de Abril. A comemoração dos seus 50 anos, para além do programa de cerimónias oficiais, incidiu, com toda a acuidade, na identificação do antes e do depois da mudança radical de regime político que a Revolução proporcionou em relação a múltiplos indicadores que retratam a nossa vida coletiva.
A primeira certeza é que o regime democrático constitui um dado adquirido – o que não significa que não necessite sempre de aperfeiçoamentos – e que a descolonização também foi realizada com a rapidez possível e necessária. Para as pessoas que tiveram que abandonar os seus haveres e o trabalho de uma vida ou até de gerações, as mágoas são muitas, mas, do ponto de vista político, quer em termos nacionais quer internacionais, não poderia ter sido muito diferente.
Com efeito, internamente, as famílias não estavam disponíveis para continuar a perder os seus filhos, aqueles que eram mobilizados para a guerra não queriam ver as suas vidas interrompidas por força de uma teimosia sem justificação e sem futuro, e a comunidade internacional, Vaticano incluído, tinha votado o país ao isolamento e à condenação por desrespeito ao direito de autodeterminação dos povos coloniais.
Também é certo que, na sequência da descolonização, o país deu as mãos aos que regressaram, prestando-lhes apoio e repartindo com eles os escassos recursos de que o país dispunha, esgotado que estava numa guerra sem sentido. Eos que puderam retribuíram essa ajuda com as atividades económicas que promoveram um pouco por todo o país.
Já quanto ao conceito de desenvolvimento, o seu âmbito é hoje bastante mais alargado do que o considerado à época em que ficou programaticamente inscrito. Nessa altura ele restringia-se à medição da riqueza produzida no país e sua comparação com a dos outros países para encontrar a posição relativa. Atualmente, ele é integrado por um conjunto de indicadores que medem o cumprimento da agenda ligada à doutrina dos Direitos Humanos. E, em termos da agenda de trabalho da ONU neste domínio, os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são o roteiro a seguir na perspetiva teorizada por Amatya Sen de “Desenvolvimento como Liberdade”.
O que é um facto é que sondagens de opinião elaboradas a propósito das comemorações deste meio século de percurso identificam os jovens como os principais apoiantes do 25 de Abril e a explosão de alegria vivida nas manifestações na rua que ocorreram em todo o país são bem a demonstração e a prova da vitalidade e da riqueza que a liberdade representa enquanto sentimento individual e coletivo.
Vem isto a propósito da homenagem que, no princípio de maio, o Instituto Piaget de Viseu entendeu prestar a António Almeida Santos, personalidade que dedicou a sua vida à luta pela liberdade, em e a partir de Moçambique, por isso perseguido pelo regime anterior, vindo a desempenhar um papel de primeiríssimo plano na cena política nacional depois da Revolução. Menos conhecida é a amizade que o ligava a Adriano Moreira, ministro do Ultramar no tempo da ditadura, mas demitido por força das posições divergentes que promovia relativamente à doutrina oficial,designadamente na abolição do estatuto de inferioridade dos indígenas. Escolheu relatar no prefácio de um livro de A. Almeida Santos, já publicado depois da sua morte, um episódio que o próprio Almeida Santos desconhecia e que se resumia ao despacho de arquivamento que exarou enquanto ministro do Ultramar sobre um processo aberto contra Almeida Santos pelo Comando Militar de Moçambique, sem sequer leitura prévia do mesmo.
Foi também assim que se construiu Abril: com pessoas que se estimavam e admiravam mesmo tendo posições políticas diferentes, mas que se encontravam no essencial: o respeito por ideologias diversas mas que se convergiam na luta pela defesa da dignidade humana qualquer que fosse o campo em que ela se exprimia.