MARIA DE BELÉM ROSEIRA

O EFEITO DELETÉRIO DAS DESIGUALDADES – Teve inicio, em 16 de janeiro, a sessão anual do Fórum Económico Mundial em Davos, uma das mais expressivas montras das tendências que se desenham por parte dos poderes que dominam o mundo.

No primeiro dia, logo de manhã, a agência Reuters divulgou a reportagem de Mark John, que avançava o seguinte: “Dois terços de economistas-chefes dos setores público e privado, entrevistados pelo Fórum Económico Mundial, esperam uma recessão global em 2023 (…) Cerca de 18% consideram uma recessão mundial ‘extremamente provável’, mais do que o dobro da pesquisa anterior realizada em setembro de 2022. Apenas um terço dos entrevistados a considera improvável este ano.

A atual inflação alta, baixo crescimento, dívida elevada e ambiente de alta fragmentação reduzem os incentivos para os investimentos necessários para voltar ao crescimento e elevar os padrões de vida dos mais vulneráveis do mundo”, refere Saadia Zahidi, diretora executiva do Fórum Económico Mundial (FEM), em comunicado que acompanha os resultados da pesquisa. A pesquisa da organização foi baseada em 22 respostas de um grupo de economistas seniores de agências internacionais, incluindo o FMI, bancos de investimento, empresas multinacionais e grupos de resseguros. A pesquisa foi divulgada depois de o Banco Mundial reduzir as suas previsões de crescimento para 2023 a níveis próximos de recessão em muitos países, à medida que o impacto dos aumentos das taxas de juros se intensifica, a guerra da Rússia na Ucrânia continua e os principais motores económicos do mundo falham. Sobre a inflação, a pesquisa do FEM observou grandes variações regionais…

O Público, em artigo assinado por Pedro Crisóstomo, na mesma data, com o título “Oxfam desafia líderes mundiais a tributar os super-ricos’ para reduzir desigualdades até 2030”, noticia que a “ONG traça como objetivo reduzir o número de milionários para metade e defende que a tributação ‘desempenhará um papel crucial’ no combate às desigualdades. A organização não-governamental Oxfam aproveitou o arranque de mais um Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, onde esta semana se reúne a elite financeira, económica e política global, para pedir aos governantes que aumentem os impostos de forma generalizada sobre os ‘super-ricos’ como forma de combater as desigualdades económicas, sociais e regionais à escala planetária num momento em que a pandemia e a pressão inflacionista se arriscam a agravar a tendência de concentração da riqueza”, pois quem beneficiou 63% da riqueza produzida durante o último período foi apenas 1% dos muitos ricos.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Na mesma data, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também participa no programa de trabalho de Davos, publicava uma nota sobre o retrocesso em termos de indicadores sociais que a pandemia de Covid-19, as alterações climáticas e a guerra na Ucrânia têm vindo a provocar em várias dimensões: em termos de desestruturação do trabalho e sua proteção, de redução de remunerações, da subida em centenas de milhões do número de trabalhadores pobres que já tinham conseguido ultrapassar a linha de pobreza, no aumento de redes de tráfico de trabalhadores, etc., etc. e como esse impacto faz apelo à importância e urgência da Agenda do Trabalho Digno, enquanto parte essencial do programa “Coligação Global para a Justiça Social”, enquanto instrumento de respeito pela dignidade humana que sustenta a paz e o desenvolvimento económico e social, que garantem uma recuperação sustentável e equitativa. É que, como afirmou o diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo, “o tema deste ano do Fórum Económico Mundial é ‘Cooperação num mundo fragmentado’. Num mundo fragmentado, em que a paz duradoura está em perigo, é crucial aprofundar o debate na justiça social, pois não há́ paz duradoura, não há́ crescimento económico sustentável ou criação de riqueza sem justiça social”.

Estes diferentes ângulos de análise permitem avaliar como a busca incessante de lucro a qualquer preço tem devastado a humanidade e criado fraturas cada vez mais pesadas. Urge, pois, uma reflexão de caminho, mesmo por parte de quem se preocupa apenas com a economia esquecendo o seu papel social.

OS MOVIMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL

Neste sentido, é de sublinhar a importância mediática crescente que os movimentos da sociedade civil têm vindo a protagonizar nas cimeiras de Davos. Não apenas os tradicionais movimentos de jovens que não se conformam com o crescimento aberrante da pobreza e das desigualdades a ela associadas, ou com o desrespeito pelo ambiente que se mede nas alterações climáticas que se têm feito sentir a um ritmo cada vez mais assustador, mas também o surgimento de novas agendas, como a da britânica Associação dos Milionários, que querem pagar mais impostos que permitam que os Estados possam fazer com o dinheiro que eles ganharam a obra de interesse público que eles não conseguem fazer.

Daquilo que não há dúvida é que desigualdades a um nível que refletem injustiças básicas de redistribuição de riqueza e que têm como consequência direta impedir o exercício dos direitos fundamentais são socialmente insuportáveis porque correspondem a injustiças que corroem a coesão social e têm um impacto destrutivo tremendo para além delas próprias.

Por essa razão é que, também na agenda de Davos, surgiu um discurso assente na indispensabilidade de “um propósito” para as companhias. E, à medida que a extensão das desigualdades e a disrupção social que provocam atingem dimensões de escândalo, afirma-se em artigo da autoria de David Sangokoya, Head of Civil Society Impact do World Economic Forum, que “um ano de pandemia, de protesto e de disrupção social criou um ponto de inflexão para muitas companhias no sentido de avaliarem a sustentabilidade das suas estratégias corporativas.” Afirma, ainda, que tem existido “um esforço concertado no âmbito das industrias para recrutar e educar executivos seniores com competências sociais e ambientais que habilitem os líderes de negócio a atuar em coligações multi-stakeholder e com abordagens integradas e multissectoriais”.

A capacidade de apreensão da dimensão do problema e a adoção de práticas para a sua correção eficaz através da identificação das responsabilidades de cada um no reconhecimento e reparação da injustiça social deverá ser feita através de ação concreta, seja nas cadeias de abastecimento, seja na agenda da responsabilidade social corporativa. Esperemos que esta progressiva inflexão de discurso seja sincera e que dela advenham resultados positivos. Caso contrário, todos sairemos perdedores.

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