MARIA DE BELÉM ROSEIRA

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL COM DIREITOS E PRINCÍPIOS – Os progressos fascinantes a que temos vindo a assistir no domínio das novas tecnologias, sobretudo nas últimas duas dezenas de anos, têm constituído uma autêntica revolução nas nossas vidas e prometem dar passos cada vez mais rápidos e mais abrangentes.

Não podemos olhar para este ou para outros progressos a que o aprofundar do conhecimento nos tem dado acesso ao longo da História da humanidade como só vendo os aspetos positivos. Mas também não podemos olhar para os riscos que os acompanham como algo de inultrapassável que nos deva levar a encerrar as portas, por precaução, à sua entrada ou a assumir a veleidade de que seríamos capazes de parar o vento com as mãos.

Ao contrário, será sempre mais adequado avaliar o impacto das inovações e potenciar os seus efeitos positivos incorporando-os na melhoria das condições de vida das pessoas e pôr a nossa racionalidade a funcionar no sentido de prevenir os potenciais impactos negativos.

Inovação que traz progresso

No contexto do núcleo de países desenvolvidos – assim catalogados pela Organização das Nações Unidas – em que Portugal se encontra, é muito arriscado ficar para trás em termos da inovação que traz progresso, embora o calendário eleitoral das democracias nacionais seja pouco favorável ao pensamento estratégico que a avaliação de impacto das grandes transformações pressupõe. Na verdade, à velocidade a que hoje em dia estas realidades acontecem, qualquer atraso pode ser irreversível ou, no mínimo, trazer custos sociais e económicos dificilmente recuperáveis.

O facto de integrarmos a União Europeia constitui um enorme benefício. Permite-nos assumir compromissos no âmbito de uma comunidade de pertença com alcance supra nacional, beneficiar da definição de objetivos estratégicos que não está dependente dos calendários políticos nacionais e de poder alcançá-los, no que à realidade nacional respeita, com apoios e recursos que, apenas com forças próprias, seríamos incapazes de gerar.

A transformação digital das nossas vidas tal como as temos conhecido já se encontra em velocidade acelerada e acontecerá nas suas mais variadas dimensões, das mais estruturantes às mais banais.

Controlar os potenciais danos de um movimento desta natureza significa, em grande medida, zelar no sentido de que os benefícios dele decorrentes sejam de acesso equitativo, o que, por sua vez, pressupõe medidas de discriminação positiva calibradas de forma adequada e com a precisão que lhes assegure a eficácia requerida. Caso contrário, o potencial para agravamento das desigualdades não terá paralelo com qualquer outra época, nem em grau, nem em rapidez.

Riscos a enfrentar

Não sendo possível analisar todos os principais riscos que enfrentaremos com cada vez mais frequência, identificarei apenas três que me parecem de especial complexidade: as novas vulnerabilidades em termos de cibersegurança, que requererão competências e recursos cada vez mais sofisticados; a necessidade de rever todas as formas de ensino e idades de aprendizagem no sentido de habilitar as pessoas a conseguir gerir as suas vidas num contexto de crescente apelo a competências digitais; a tendência para que a centralidade que as tecnologias ocupam na sociedade e na vida de cada um as transforme num objetivo em si mesmo em vez de serem olhadas como um instrumento ao serviço de cada pessoa.

Neste contexto, constituiria estultícia considerar que um pequeno país como Portugal conseguiria, sozinho, lidar com desafios de tão grande monta. Daí a importância da pertença à União Europeia.

É justo reconhecer o importante papel que o nosso país desempenhou durante a Presidência Europeia que assumiu num semestre do ano transato, no sentido da abertura do caminho para a aprovação dos direitos e princípios digitais, com o objetivo de, nas palavras da Comissão Europeia, “promover uma via europeia para a transição digital centrada nas pessoas que se baseie nos valores europeus e beneficie todos os cidadãos e empresas”.

Este apelo aos valores é fundamental numa época em que as principais lições da pandemia estão longe de ter sido assimiladas. Com efeito, a economia erga omnes está a regressar e, com ela, o desprezo pela predação dos recursos comuns através da perda da biodiversidade que nos coloca a todos em risco. Do mesmo modo, a confrontação com uma guerra que significa o retomar de formas medievais de conquista de poder e de território através de processos monstruosos, ilegítimos, ilegais à luz do Direito Internacional, acabou com a paz na Europa, tão duramente conquistada, e fez regressar o conceito de destruição humana e de património como banal. A isto acresce o risco agravado da ameaça da fome a nível planetário.

Direitos fundamentais

É fundamental, pois, que um instrumento tão poderoso e tão importante para servir o bem comum, não seja desvirtuado no sentido da instrumentalização das pessoas e do aniquilamento dos seus direitos fundamentais. De entre estes, e seguindo o site respetivo da Comissão Europeia, os seguintes:

  • Dar prioridade às pessoas, protegendo os seus direitos, apoiando a democracia e assegurando que todos os intervenientes digitais agem de forma responsável e segura. A UE promove estes valores em todo o mundo;
  • Solidariedade e inclusão, pois a tecnologia deve unir as pessoas, não dividi-las, assegurando que todas elas tenham acesso à internet, a competências digitais, a serviços públicos digitais e a condições de trabalho justas;
  • Liberdade de escolha, devendo as pessoas beneficiar de um ambiente em linha justo, estar a salvo de conteúdos ilegais e prejudiciais e ter capacidade para interagir com tecnologias novas e em evolução, como a inteligência artificial;
  • Participação no processo democrático a todos os níveis e ter o controlo dos seus próprios dados. A proteção e segurança, bem como a sustentabilidade, não são esquecidos, mas optei por enunciar aqueles que, pela sua dimensão e complexidade, não estão ao alcance de qualquer país isoladamente.

Em meu entender é essencial que, em época tão perturbada e tão perturbadora, se assuma a essência civilizacional da Europa, construída ao longo de muitos séculos e com recurso a contributos tão variados em termos de reflexão e construção de pensamento filosófico e religioso, sempre com o objetivo do desenvolvimento humano.

Esquecê-lo, não o enunciando e praticando, constituiria uma falha grave na construção e concretização das políticas públicas cuja única legitimidade assenta no compromisso da construção do bem comum.

 

 

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