MARIA DE BELÉM

ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA – Economia Social e COVID-19. Já começa a ser repetitiva a afirmação de que a pandemia do Covid-19 veio mostrar a nossa interdependência em termos globais. Do que não se tem falado tanto é da importância de olharmos para a organização económica como um espaço também ele interdependente. Na organização económica, cada um tem o seu papel, de acordo com a sua natureza, e tentar ocupar indevidamente o espaço que altere os equilíbrios corretos para que os direitos fundamentais das pessoas possam ser protegidos, desenvolvidos, assegurados e exercidos, acaba por levar a tensões que tarde ou cedo se manifestam através de ruturas dolorosas com efeitos económicos e sociais nefastos. A forma como se desenvolvem e organizam os vários setores de produção exprime os modelos que as sociedades criaram de acordo com os seus valores, a sua cultura, as suas especificidades e os problemas para os quais, ao longo da sua História, tiveram que gizar soluções. Assim sucedeu também em Portugal, naturalmente, e é por isso que conhecermo-nos a nós próprios, aos valores que partilhamos maioritariamente, à forma e ao tempo como reagimos às adversidades, o que nos faz atuar e o que nos deixa indiferentes, é tão importante para podermos perceber aquilo que realmente está enraizado na nossa forma de ver, de ser e de estar, e a razão pela qual soluções importadas e até bem-sucedidas noutros países não são modelos bem-sucedidos no nosso. Nesta conformação, a própria organização económica vai funcionar de acordo com formulações que começaram a ser definidas há muitos séculos atrás. Quando a chamada “modernidade” pretende desconstruí-los, muitas vezes confronta-se com dificuldades que não previu. É que desconhece as razões que a impedem de concretizar o que pretendia e, ao ter que inverter caminho, acaba por incorrer em múltiplas incoerências entre a palavra e a ação. 

Consagração constitucional  – A nossa Constituição, interpretando o sentir coletivo construído ao longo de séculos, consagrou no capítulo da organização económica o reconhecimento de três setores de produção: o público, o privado e o social. Considero que foi um equilíbrio sábio, o encontrado pelos nossos constitucionalistas, que representa o conhecimento do sentir do país. Reforça o papel estruturante e estratégico do Estado na defesa e garantia das liberdades democráticas, da segurança, do bem-estar e do desenvolvimento, reconhece a livre iniciativa ao setor privado lucrativo e sublinha a existência de uma outra forma de economia, a não lucrativa, que aplica os seus resultados positivos no desenvolvimento da sua actividade que se dedica maioritariamente a atividades no domínio do desenvolvimento humano, numa clara cooperação com o Estado. De realçar que esta preocupação de consagração constitucional da economia social decorre do facto de as organizações que a integram serem verdadeiras escolas de cidadania e dos valores democráticos: eleições livres, limitação de mandatos, transparência e prestação de contas na gestão. As leis que as regem impõem todas as regras nesse sentido. Mas o sublinhado mais importante é o da liberdade de associação, fortemente asfixiada durante o Estado Novo. E esta liberdade é pedra basilar para que a sociedade, sem interesse em lucro económico ou rentabilização de capitais, e muito assente em voluntariado, intervenha na resolução dos problemas que as pessoas sentem e onde o Estado não chega ou não consegue chegar da mesma maneira personalizada. Pela sua dimensão, pela sua ligação aos territórios onde estão sediadas e operam, pela sua plasticidade e capacidade de adaptação aos novos problemas que vão surgindo, elas têm tido um desempenho de elevadíssima valia. 

A família da Economia Social – Assim, também, em plena pandemia de Covid-19 quando são o lar das pessoas que não têm família ou o hospital que as cuide, quando são a casa das pessoas que não a têm, a mesa de quem não tem recursos para comer ou alimentar os seus, o apoio que paga os medicamentos a quem não os pode comprar, o mensageiro que leva os medicamentos e produtos de saúde a casa dos mais vulneráveis para que possam permanecer resguardados em casa, a mão que dá o afago, o amparo e o abrigo a quem não o tem, a ajuda financeira a quem não tem recursos próprios suficientes, a segurança perante os riscos inerentes à vida humana. E se problemas houve no controlo da pandemia, não foi com as instituições legalizadas, mas antes com entidades que se aproveitam das maleitas alheias e entram pelos caminhos da exploração humana. Não há sociedades perfeitas, mas se investirmos mais na solidariedade e na cooperação do que na concorrência desenfreada e predadora, construiremos sociedades mais justas, mais equilibradas, menos desiguais e mais respeitadoras da nossa casa comum. 

A minha homenagem, pois, às misericórdias, às instituições de solidariedade social, às mutualidades, às fundações, às cooperativas, às associações mais variadas, a todas as entidades que integram esta enorme família da Economia Social e à generosidade cidadã que as apoia, agradecendo o seu relevante papel, que também o têm e é fundamental, no combate e no controlo da pandemia.