JOÃO VAZ DE ALMADA

UM GENTLEMAN chamado MÁRIO COELHONão me critiquem os meus amigos defensores dos animais. Desta vez, desculpem, mas não vou admitir. Soube há pouco que morreu um dos últimos gentlemen, o Mestre Mário Coelho, exímio toureiro a pé. Tinha 84 anos e foi uma dos milhares de vítimas de Covid-19, acabando por perder a vida no passado dia 5 de julho, no Hospital de Vila Franca de Xira, sua terra natal. Tive oportunidade de com ele privar, em janeiro de 2002, numa viagem ao Iraque, ainda de Saddam Hussein. A nossa delegação, constituída por cerca de 12 pessoas, ficou instalada no Hotel Al Mansur, um edifício imponente com cerca de 10 andares, no centro de Bagdad, construído pelos espanhóis no início dos anos 1980, quando o Iraque era o menino bonito do Ocidente, mas naquele ano de 2002 já estava a dar claros sinais de avançada degradação. Nos serões no átrio do hotel o Iraque sofria um duro embargo e à noite não havia nada para fazer –, o Mestre foi o grande animador do grupo, contando histórias das suas experiências de vida. A arte de tourear levou-o a países como Espanha, França, México, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Angola, Moçambique e a conhecer personalidades como Ernest Hemingway, Ava Gardner, Pablo Picasso e Audrey Hepburn. Picasso chegou-lhe a desenhar um traje de luces. 

Touros em BagdadO propósito do Mestre naquela viagem ao Iraque era aferir da possibilidade de se efetuar uma corrida de touros em Bagdad. Num dos dias, chegou ao hotel encantado com a promessa feita pelo ministro da Solidariedade de encher o estádio nacional com 100 mil pessoas para a corrida de touros. Agora levantava-se outro problema: de onde viriam os touros? Rapidamente dei-lhe uma sugestão. Hugo Chávez havia estado no Iraque um ano antes, dando o seu apoio a Saddam Hussein, por isso não seria difícil haver um entendimento para a vinda dos animais. Esta minha “descoberta” foi um autêntico Abre-te Sésamo para o Mestre, que ficou toda a noite a falar no assunto e a cogitar como ressuscitar os seus contactos na pátria de Bolívar. 

Uma autêntica minaNum dos dias, o Mestre não desceu para o habitual pequeno-almoço frugal, imposto pelo embargo. Um resfriado – Bagdad em janeiro pode chegar a temperaturas negativas –, seguido de febre, ateve-o à cama. Alguém chamou um médico que rapidamente apareceu. Da sua maleta saiu uma agulha e um líquido que encheu uma seringa. No quarto do Mestre viveu-se uma tremenda agitação, com o paciente a fugir literalmente com o rabo à seringa. Confessaria mais tarde, entre risos, que a sua grande preocupação foi não saber que líquido havia sido introduzido na seringa. No dia seguinte, lá estava o médico novamente com a sua maleta. Voltou a fazer o serviço. Ao terceiro dia, qual Cristo ressuscitado, o Mestre não autorizou mais nenhuma pica. “Acabou-se a mama”, disse. E acrescentou: “Cada vez que vem cá leva-me 50 dólares!” Na altura soube que um médico no Iraque ganhava 200 dólares/mês. A massacrada nádega do Mestre havia-se revelado uma autêntica mina, aumentando, nesse mês, o salário do médico em 50 por cento   

Mestre, sei que até hoje temos um almoço apalavrado para quando eu for a Vila Franca. Ficou adiado sine die. Mas não está esquecido. Um abraço Mestre! Vamos falando.  

  Por João Vaz de  Almada Consultor de Comunicação 

 

 

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