LUÍS PISCO

PRINCIPAIS DESAFIOS PARA A GESTÃO DAS UNIDADES LOCAIS DE SAÚDE

Pelo Decreto-Lei n.º 102/2023 procedeu-se à criação, com natureza de entidades públicas empresariais, das novas unidades locais de saúde (ULS). A realização do direito fundamental à proteção da saúde, previsto no artigo 64.º da Constituição, implica o reforço das políticas de promoção da saúde e de prevenção da doença, assim como da articulação entre os vários níveis de cuidados.

 O aumento das necessidades em saúde e bem-estar da população, associado ao envelhecimento, à carga de doença, assim como às suas crescentes exigências e expectativas, exige que o SNS continue a aumentar o acesso e a eficiência na prestação de cuidados de saúde, fomentando modelos organizacionais que promovam a gestão integrada dos cuidados de saúde primários, dos cuidados hospitalares e dos cuidados continuados, assegurando o foco nas pessoas.

Na verdade, a especial articulação entre estes níveis de cuidados sempre tem sido, desde a criação do SNS, uma preocupação constante, atendendo às mais-valias que pode trazer à efetiva prestação de cuidados de saúde aos cidadãos.

A Base 20 da Lei de Bases da Saúde veio estabelecer que o SNS deve pautar a sua atuação pela integração de cuidados. A referida integração visa, entre outros, assegurar aos beneficiários do SNS o acesso ao tipo de cuidados que mais se coaduna com as suas necessidades efetivas.

Também o decreto-lei que aprovou o Estatuto do SNS, veio determinar que os estabelecimentos e serviços do SNS devem orientar o respetivo funcionamento pela proximidade da prestação, pela integração de cuidados e pela articulação das respostas.

O modelo das ULS

Dos referidos modelos organizativos, as ULS destacam-se como estabelecimentos de saúde aos quais compete garantir a prestação integrada de cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados.

Volvidos mais de 20 anos sobre a criação da primeira ULS, através do Decreto-Lei n.º 207/99, que instituiu no município de Matosinhos uma experiência inovadora, integrando numa única entidade pública, dotada de gestão empresarial, os vários serviços e instituições do SNS existentes naquele município, bem como mais de 10 anos sobre a criação da última ULS, observa-se, atualmente, um movimento de reorganização do SNS, o qual tem como desiderato final organizar as respostas em saúde em função das pessoas.

A integração dos ACES, dos hospitais e centros hospitalares já existentes no modelo das ULS procura constituir uma qualificação da atual resposta do SNS, simplificando os processos, incrementando a articulação entre equipas de profissionais de saúde, com o foco na experiência e nos percursos entre os diferentes níveis de cuidados, aumentando a autonomia gestionária, melhorando a participação dos cidadãos, das comunidades, dos profissionais e das autarquias na definição, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, maximizando o acesso e a eficiência do SNS.

Adicionalmente, entende-se que com a referida integração poderá ser alcançada uma maior eficiência na gestão dos recursos públicos, simultaneamente com a garantia e respeito pelo papel fundamental da participação dos municípios no planeamento, organização e gestão do funcionamento da resposta em saúde à população de determinada área geográfica, potenciando a proximidade e a gestão em rede.

Refira-se que o amadurecimento deste modelo organizativo permitirá que as ULS possam beneficiar de novos instrumentos de gestão, designadamente: i) uma estratificação pelo risco, que identifique a distribuição da carga de doença na população; ii) sistemas de informação que potenciem a integração de cuidados, como o registo de saúde eletrónico único; iii) incentivos ao desempenho, financeiros e não financeiros, focados nos resultados e na criação de valor; e iv) modelos inovadores de prestação de cuidados, baseados em equipas que assumem compromissos centrados na resposta às pessoas, com destaque para as unidades de saúde familiar e as unidades de cuidados na comunidade, no âmbito dos cuidados primários, ou para a área hospitalar, os centros de responsabilidade integrados. Acresce que a diversidade e complexidade desta nova vaga de ULS vai exigir um ajuste no que se refere aos seus órgãos de gestão.

SNS mais justo e inclusivo

Considerando que, ao longo dos últimos 40 anos, o SNS cresceu e ganhou a confiança dos portugueses e é a garantia do direito fundamental de todos os cidadãos à proteção da saúde, independentemente da condição social, da situação económica ou da localização geográfica de cada um, a revisão da legislação que o suporta, nomeadamente o seu Estatuto, é um passo fundamental para o reforço da construção de um SNS mais justo e inclusivo, que responda melhor às necessidades da população mediante as necessárias reformas estruturais.

Os desafios para o futuro passarão por aumentar a acessibilidade, nomeadamente nos casos de doença aguda, centrar a atenção na prevenção e na intervenção precoce em melhorar a gestão da doença crónica, apoiar a integração e prestação de cuidados multidisciplinares, seleccionar a evidência disponível para a prestação efetiva de cuidados de qualidade, utilizar a tecnologia para apoiar boas práticas. O futuro das ULS estará ligado ao sucesso ou insucesso em lidar com a formação e a investigação. Vai depender de se ganhar ou perder a batalha dos sistemas de informação e comunicação, de se perder ou ganhar a batalha pela eficiência, pela gestão, pela governação clínica, pela qualidade e pelas boas práticas.

O futuro vai depender, cada vez mais, de se ganhar ou perder a aposta nas pessoas, no trabalho em equipa, numa cultura de saúde, de organização, de intervenção na comunidade, da criação de condições e espaços de trabalho, verdadeiros locais de serviço à população, com profissionais motivados, que gostem do seu trabalho e gostem de lidar uns com os outros.

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