LUÍS MIRA AMARAL

MERCADO MARGINALISTA, GÁS NATURAL E ELETRICIDADE – Aqueles engenheiros eletrotécnicos que, como eu, tinham experiência de redes elétricas há muito tinham percebido que as renováveis intermitentes iriam precisar de centrais a gás natural (GN) como backupa essas fontes. E, por isso, como mostrava um recente estudo da ACER, a associação europeia dos Reguladores da Energia, sempre houve uma grande correlação entre os preços do GN e da eletricidade.

Mas, enquanto os custos do GN e da emissão do CO2 eram baixos, ninguém se preocupou com essa correlação e com o funcionamento do atual mercado marginalista. Agora que esses custos dispararam, alguns governos queriam acabar com esse mercado, substituindo-o pelo modelo pay-as-bid. Um pequeno exemplo ajuda a perceber isto. Suponhamos que no mercado marginalista havia três centrais numa rede, oferecendo a eletricidade, respetivamente, a €50, €100 e €200/MWh, preços estes alinhados com os seus custos variáveis de produção. Esta última, normalmente a GN, central marginal que equilibra a oferta com a procura, iria fixar o preço da eletricidade a essa hora nos €200/MWh e as outras duas iriam também receber esse valor. Pelo contrário, se se usasse o pay-as-bid, cada um dos produtores iria receber pela energia que produziu apenas o preço que ofereceu, respetivamente os tais €50, €100 e €200/MWh, e então os consumidores não iriam pagar toda a produção a €200/MWh, mas sim pagariam a cada um deles pelo preço que tinham oferecido. Aparentemente, isto seria mais vantajoso para os consumidores. Só que este raciocínio enferma de um erro crasso, porque pressupõe que os produtores, na passagem do modelo marginalista para o pay-as-bid, mantêm o mesmo comportamento, o que não acontece! Com efeito, as duas centrais que ofereciam, respetivamente, a €50 e a €100/MWh a energia no modelo marginalista, porque sabiam que depois iriam receber pelo valor fixado pela central marginal, ao saberem que vão receber no pay-as-bid pelo preço que ofereceram, começam a encostar-se ao preço da central marginal e a oferecer a energia a um preço próximo dos €200/MWh! Por isso, os papers sobre este tema mostram que, a prazo, a passagem do modelo marginalista para o pay-as-bid não traz grandes vantagens para o consumidor.

Face à oposição da União Europeia, a mudança para o pay-as-bid foi abandonada e os governos português e espanhol propõem agora, no quadro do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), um plafonamento do preço do GN a €50/MWh térmico por forma a limitar os preços exorbitantes que a eletricidade tem apresentado. Como as centrais a GN têm um rendimento termodinâmico à volta dos 50%, o preço da eletricidade será plafonado à volta de €120/MWh, em que €100/MWh é o custo variável da produção de eletricidade por GN e cerca de €20/MWh será o custo de emissão de CO2. Este plafonamento vigorará para o MIBEL, mas não para ofertas para a rede europeia através das interligações entre Espanha e França.

Tal plafonamento vai gerar défices tarifários, diferença entre o preço de mercado do GN e o preço tabelado (os tais €50/MWh), os quais darão uma nova dívida tarifária. Como na economia não há almoços grátis, a questão é saber quem pagaráessa dívida gasosa…

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