A CGD E O DÉFICE PÚBLICO
Em 2002, escrevi no Jornal de Negócios“O tango argentino e o fado lusitano”, comparando a nossa situação com a da Argentina, e concluía que chegaríamos à bancarrota. Em 2007, no “Prós e Contras” da RTP, discuti o OE 2008 e alertei que era perigoso reduzir o défice através do aumentoda receita sem fazer o corte estrutural da despesa. Quando viesse uma crise, a receita evaporava-se e o défice disparava. Com a crise de 2007/2008 o défice passou de 3 para 11% do PIB! E chegámos à bancarrota.Relativizo, pois, os valores do défice, e gosto de me concentrar na Despesa Pública Corrente Primária (sem juros da dívida pública e sem investimento) que no meu tempo de governo andava nos 27% do PIB e depois disparou para 40%. Através de um esforço gradual e sustentado, ela deveria reduzir-se para 30% do PIB em duas legislaturas.Só assim é que viveríamos descansados.Continuamos a reduzir o défice através de receitas conjunturais da fabulosa conjuntura económica, as quais financiam aumentos permanentes de despesa,e da poupança de juros da dívida pública graças à política do BCE. Se bem que a inversão da política do BCE possa ser amortecida pelas melhorias do rating da República, convém perceber que o mundo está em risco de uma nova crise financeira, e nesse caso um arrefecimento económico levará à perda de receita e o défice voltará a disparar. Com o nível elevado de dívida pública em percentagem do PIB que temos, os mercados poderão assustar-se de novo e voltaremos a ter problemas. Registo, pois, com agrado a tomada de consciência sobre os riscos internacionais por parte do primeiro-ministro e do ministro das Finanças. Têm finalmente medo do Diabo…Com efeito, depois da crise de 2007/2008 a dívida aumentou em percentagem do PIB mundial, nos países da OCDE foi a dívida pública, nos emergentes, designadamente na China, foi a dívida privada de empresas e famílias. O mundo está, pois, muito alavancado e corremos riscos não despiciendos.O ano de 2017 também ficou marcado pelo esforço orçamental para a recapitalização da CGD. Sem essa recapitalização, o défice teria ficado nos 1.0% do PIB e acabou por car nos 3% do PIB.O ministro das Finanças entendia que essa despesa não deveria ter contado para o défice. A despesa foi feita e iria sempre à dívida pública. Ir ou não ao défice é, pois, uma questão meramente contabilística. Em todo o caso, mesmo que tivéssemos excedido os 3% do PIB no défice, isso não teria efeitos no que toca aos Procedimentos dos Défices Excessivos, porque nestes a Comissão Europeia exclui os apoios públicos à banca do valor do défice.Face aos critérios estabelecidos pelo Eurostat parece-nos que a sua decisão é correta e não nos podemos esquecer que as perdas acumuladas no período 2011-2016 excedem os 4 mil milhões de euros agora injetados pelo Estado. Logo, o esforço orçamental não é só para investir no futuro da economia portuguesa, também foi para cobrir buracos públicos do passado…Também, segundo a esquerda, ao reduzir-se o défice de 1,1% para 0,7% do PIB, teríamos 800 milhões de euros para gastar! Nada de mais errado, pois que ao fazermos isso apenas evitamos endividarmo-nos em mais 800 milhões de euros! E a esquerda que tanto cita Keynes não o deve ter lido ou não percebeu o que ele prescrevia: su- peravits em época de vacas gordas para na fase baixa do ciclo fazer política contracíclica e termos défices. Por isso, até devíamos estar neste momento em superavit!
“REGISTO, POIS, COM AGRADO A TOMADA DE CONSCIÊNCIA SOBRE OS RISCOS INTERNACIONAIS POR PARTE DO PRIMEIRO-MINISTRO E DO MINISTRO DAS FINANÇAS”
por Luís Mira Amaral
Engenheiro e Economista