A ALEMANHA E O EURO
O euro só se manterá com a atual configuração se tiver a participação alemã. Se a Alemanha saísse do euro, este acabava. Por isso, a Alemanha está em condições de impor a sua visão à União Europeia sobre o funcionamento da zona euro. O acordo conseguido no recente Conselho Europeu de 9 de dezembro sobre o reforço da disciplina orçamental da zona euro traduz a visão alemã do funcionamento da nossa União Monetária, com as suas preocupações no que toca aos problemas de disciplina orçamental e de finanças públicas, consubstanciadas na aplicação de sanções automáticas no caso de incumprimento dos objetivos. Ainda não chegamos a uma União Orçamental e Fiscal, mas estamos naquilo a que se chamou “compacto orçamental”. Este acordo dará certamente alguma cobertura para que o BCE possa reforçar a sua atuação na compra de dívida pública dos países periféricos com problemas de liquidez mas ainda solventes, tais como a Itália e a Espanha, e poderá permitir que a ideia dos eurobonds faça o seu caminho. A atuação do BCE sera vital no curto prazo para atuar como uma espécie de bazooka financeira e salvar o euro, e os eurobonds serão necessários a médio-longo prazo. Há que perceber que os alemães só aceitarão os eurobonds quando tiverem a certeza de que as finanças públicas dos países da zona euro estão sob controlo. A Alemanha entende que a pressão dos mercados sobre os títulos de dívida pública dos periféricos é essencial para que estes reforcem a disciplina orçamental. O avanço imediato para os Eurobonds iria tirar essa disciplina que os mercados impõem, favorecendo nas taxas pagas (que incorporam os prémios de risco) os países com finanças públicas fracas e prejudicando os disciplinados e com triplo AAA nos seus ratings, como é o caso da Alemanha. Neste momento o BCE já assumiu claramente o reforço do apoio aos bancos europeus, mas ainda está tímido no apoio às dívidas soberanas. Alguns esperarão que, reforçando-se o apoio aos bancos, estes possam voltar a comprar dívida soberana dos seus países e, assim, o BCE estaria indirectamente a financiar a emissão de dívida soberana. Não nos parece que tal venha a acontecer em grande escala, pois os bancos também estão muito pressionados para financiar a economia real e evitar o credit crunch. Mas já a falta de confiança na economia europeia e no mercado monetário interbancário é tal que os bancos colocaram em depósitos no BCE o que dele tinham recebido… Contudo, a médio-longo prazo, a sobrevivência do euro não se resolve só na frente orçamental e financeira, mas sim e fundamentalmente nas frentes económica e política. Assim, não aceitando os alemães uma União de Transferências que permite transferências duradouras dos países com superavite comercial para os periféricos deficitários, a sobrevivência destes no euro vai depender da sua competitividade externa, como já Jacques Delors chamava a atenção num relatório feito antes da criação do euro e que tem, infelizmente, sido esquecido. Não se ter reconhecido que uma União Monetária entre Estados soberanos é vulnerável a crises de balanças de pagamento (erro cometido por Vítor Constâncio entre outros…) contribuiu também para a situação atual. Os países periféricos, como Portugal, defrontam-se agora com três ingredientes básicos para a recessão: ameaça de credit crunch; políticas orçamentais mais restritivas com óbvios impactos recessivos; perdas de confiança. É então fácil de compreender que a austeridade orçamental na zona euro, cujo reforço a Alemanha agora impôs, tem de ser compensada por ajustamentos externos que passam quer por uma expansão económica, liderada pelos países do centro, que gere procura para toda a zona euro, quer por uma política monetária mais expansionista e com maior fornecimento de liquidez aos bancos europeus, coisa que o BCE, felizmente, já começou a fazer. Mas, a nosso ver, esse esforço de disciplina orçamental poderá revelar-se muito difícil de aceitar pelas democracias dos países periféricos sem o avanço para uma União Política. Só com esse avanço a UE terá as estruturas constitucionais adequadas para legitimar o exercício centralizado de políticas orçamentais e fiscais rigorosas para todos os Estados-membros.