LUÍS MIRA AMARAL

O FINANCIAMENTO À ECONOMIA PORTUGUESA E A CRISE NO EURO

I – Financiamento da actividade empresarial em Portugal

Hoje é extremamente difícil, para não dizer quase impossível, para a esmagadora maioria das empresas portuguesas, e em particular para as PME, conseguirem financiamento bancário, com efeitos devastadores, bem evidenciados pelo extremamente preocupante aumento do número de falências. Num passado recente, a banca, com o recurso às linhas de liquidez do BCE, ainda fazia financiamentos de curto prazo às empresas portuguesas, mas o financiamento de médio-longo prazo para o reforço e criação de novas capacidades produtivas já estava tapado. Neste momento, mesmo o apoio de curto prazo para o financiamento do fundo de maneio e da actividade corrente começa dramaticamente a escassear. Não ignoramos que esta situação é uma consequência do fecho dos mercados externos ao financiamento da economia portuguesa, complementada pelas imposições de desalavancagem do sector bancário. Estamos conscientes da necessidade imperiosa de cumprimento do acordo com a troika, mas é absolutamente indispensável encontrar soluções para o financiamento da economia real, para evitar a destruição do nosso sector produtivo, o agravamento do défice comercial e todas as nefastas implicações sociais daí decorrentes. Acresce que a assinatura do acordo com a troika teve subjacente o pressuposto de que a partir do 1.º semestre de 2013 os mercados financeiros internacionais se abririam ao financiamento da banca portuguesa, pressuposto esse que hoje parece difícil de concretizar no timing referido, e que não depende só do cumprimento por Portugal do acordo. Com efeito, a situação grega irá desencadear ondas de choque que nos irão atingir. Neste contexto, o cumprimento escrupuloso do acordo com a troika é condição necessária (sem isso não restabeleceremos níveis mínimos credibilidade), mas pode não ser suficiente, pois o que se vai passar na zona euro e na economia mundial não depende de nós. Neste contexto, o ajustamento, que sabíamos ir ser extremamente difícil, mas circunscrito a um período de dois anos e meio, poderá vir a ser mais longo e impõe que não se esqueça uma linha de financiamento à economia no pacote da troika. Com efeito, no programa da troika havia basicamente três pilares: o do saneamento das finanças públicas; o da desalavancagem e estabilização do sistema financeiro; o das medidas de ajustamento estrutural da economia. Mas foi esquecido aquilo que hoje dramaticamente se reconhece também como essencial: o pilar do financiamento da economia, sem o qual não haverá possibilidade de evitar o colapso da economia portuguesa e o agravamento do défice externo. No quadro do saneamento das finanças públicas e da reestruturação económico-financeira do Sector Empresarial do Estado, é imperioso que os recursos financeiros disponibilizados pela troika sejam também afectos ao pagamento imediato pelo Estado aos seus fornecedores e o pagamento à banca portuguesa das dívidas do Sector Empresarial do Estado. O pagamento imediato das dívidas do Estado aos fornecedores permitiria aliviar as pressões dramáticas de tesouraria que as PME fornecedoras do Estado sentem. Quanto ao pagamento à banca portuguesa das dívidas do Sector Empresarial do Estado, a CIP propõe que tal seja feito no quadro dum acordo entre o Governo e a Banca Portuguesa, em que esta se compromete a canalizar esses recursos financeiros para o financiamento das empresas de bens transaccionáveis, ou seja, as que exportam e as que contribuem para a redução competitiva das importações.

 

II – A Grécia e o euro

A moeda única europeia necessitaria de uma união fiscal e orçamental e dos chamados eurobonds, semelhantes aos U.S. Treasuries. Mas isto implica mudanças de tratados, com aprovação nos parlamentos e em referendos nos vários Estados-membros e isso vai levar muito tempo. Estou convencido de que os alemães poderão, a prazo, e nunca agora, aceitar os eurobonds (emissão conjunta pelos Estados-membros de títulos europeus de dívida pública), desde que tenham controlo sobre as finanças públicas dos Estados mais “indisciplinados”. Um default organizado da Grécia levanta a questão “se a Grécia deve permanecer no euro”. Pensamos que sim, por razões internas, pois que isso levaria a um terrível caos na Grécia. Embora, com a desvalorização, a Grécia pudesse ficar mais competitiva, a maior parte das empresas que têm dívidas em euros seria pressionada a pagar tais dívidas com a nova moeda muito desvalorizada, o que lhes aumentaria a probabilidade de entrarem em falência. E também por razões externas, pois que uma saída neste momento do euro poria em causa Portugal, Irlanda, Espanha e Itália na zona euro, com riscos de contágio à Bélgica e até à França, o que poderia levar ao estoiro do euro. Por isso, mesmo que se admita uma saída a prazo da Grécia do euro, se tal vier a acontecer, conviria que nesse momento Portugal e a Irlanda já estivessem mais fortes. Assim sendo, não será boa ideia, neste momento, a saída da Grécia do euro. A Grécia necessita de haircuts dos credores da ordem dos 50%, por forma a trazer a dívida para valores à volta de 100% do PIB. À semelhança do que aconteceu na América Latina com o Plano Brady, o Banco Central Europeu deverá continuar a fornecer liquidez à banca grega e a Grécia necessitará emitir novos bonds, suportados em conjunto pelo BCE, FMI e BEI, por forma a ultrapassar o cepticismo dos investidores. A zona euro não tem, neste momento, mecanismos para financiamentos transnacionais de devedores que perderam acesso à liquidez dos mercados. Para gerir esta crise, a zona euro vai precisar de: um mecanismo efectivo para fazer o writing down das dívidas de Estados e privados claramente insolventes; recursos suficiente grandes para gerir os mercados da dívida actualmente ilíquidos de países potencialmente solventes como Espanha e Itália;  meios para tornar o sistema financeiro credivelmente solvente no imediato. Uma moeda única requer inevitavelmente uma união financeira, orçamental e fiscal. A estabilidade financeira europeia deve ser fortalecida para poder suportar países como Espanha, Itália e eventualmente Bélgica e França. Os poderes do Banco Central Europeu devem ser reforçados de modo a manter um sistema bancário e um mercado de capitais sólidos, o que requer uma capacidade permanente de financiar os bancos directamente e flexibilidade para comprar e vender dívidas soberanas em mercados secundários. Tudo isto completado por medidas de regulação e supervisão mais apertadas e mais pan-europeias ao nível da zona euro.

 

III – O PLANO PARA SALVAR O EURO

Para salvar o euro, terá então que ser feito imediatamente o seguinte: – Pararocontágioda crisegrega, o que obriga a construir um corta-fogo financeiro protegendo os restantes países da zona euro. Tal significa que novos bonds emitidos por Portugal, Irlanda, Espanha, Itália, Bélgica e França poderão necessitar de garantias para atrair investidores e ter taxas de juro aceitáveis, garantias essas suportadas pelo BCE, ou pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Isto terá a oposição da Alemanha, que vê essas garantias do BCE como o equivalente à monitorização das dívidas públicas desses países. Mas, pelo menos em mercado secundário, o BCE deveria continuar a fornecer liquidez imediata aos bancos desses países. – Estabilizar os bancos. Parar com o contágio também significa evitar a corrida aos bancos, tranquilizando os europeus de que as suas poupanças e planos de reforma estão seguros. Aqui, talvez seja necessário estabelecer controlos temporários de capital na Grécia. Também será necessária a recapitalização de dezenas de bancos europeus que têm dívida pública grega e dos outros periféricos. Se nos basearmos em testes de esforço que verdadeiramente “stressem” a dívida pública no balanço desses bancos (verdadeiros stresstests e não os anteriores com muito marketing e pouco stress…), tal levaria a um esforço financeiro entre 410 e 550 mil milhões de euros. Alguns bancos conseguirão atrair capital privado, mas para os que não conseguirem ter-se-á que arranjar um euro-TARP semelhante ao Troubled Assets Relief Program dos americanos. O FEEF deverá ser o financiador desse euro-TARP mas os 440 mil milhões de euros que vai ter são capazes de não chegar para, ao mesmo tempo, emprestar aos países periféricos (como Portugal), comprar dívida soberana, em mercado-primário ou secundário, e financiar o euro-TARP. Talvez sejam necessários 2 a 3 milhões de milhões de euros (triliões na terminologia americana), o que implicaria que o FEEF deveria levantar fundos adicionais no mercado, com a garantia do BCE, coisa que os alemães não apreciam. Uma solução alternativa que permitiria alavancar consideravelmente os recursos actuais do FEEF era pô-lo a garantir a emissão de novos títulos de dívida pública, em vez de o por a comprar títulos.