LUÍS MIRA AMARAL

CALÇADO E CHAMPANHE O NOSSO SUCESSO

 

O recente prémio para o calçado português, competindo com o champanhe, é bem um exemplo da nossa capacidade empresarial nos bens transacionáveis. No Ministério da Indústria, entre 1987 e 1995, expliquei e escrevi que setores industriais tradicionais não são obsoletos, são setores que fazem parte já da nossa tradição industrial. Não há setores obsoletos, há empresas que se modernizam e se desenvolvem e outras que não o fazem e morrem. Também explicava que não havia dicotomia entre novas tecnologias e setores tradicionais. Tal como o cérebro não vive sem o corpo, também as novas tecnologias não vivem sem os setores que vão modernizar. Alguns diziam então que eu era pouco agressivo na política industrial, pois era preciso esquecer os setores tradicionais e investir decisivamente na eletrónica e nas novas tecnologias. Eram revolucionários irrealistas. Eu sempre fui um reformista realista, consciente de que a estrutura económica e social muda lentamente a partir da base existente…Na mesma linha de irrealismo e disparate, recentemente ouvi um analista económico dizer que estes sucessos portugueses na agroindústria e no calçado serão úteis enquanto não agarrarmos o modelo da economia do conhecimento! Ora a economia do conhecimento não é uma coisa abstrata, ela significa meter conhecimento em todos os setores e o calçado é um excelente exemplo disso. Hoje em dia, no magnífico Centro Tecnológico do Calçado, que criámos no PEDIP em exemplar cooperação com a APICCAPS, a associação do setor e os seus empresários, estuda-se a ergonomia do pé e os novos materiais a aplicar, metendo-se pois conhecimento nesta indústria.

O calçado é bem um exemplo da exemplar cooperação estratégica que lançámos no Ministério da Indústria entre o Governo e os empresários. Já nessa altura, o calçado tinha começado uma estratégia que o levou ao sucesso hoje evidente. A aposta nas novas tecnologias, como o jato de água para cortar as peles, investimentos na altura muito apoiados pelo PEDIP, a aposta em marcas e em mercados com elevado poder de compra, tudo isto com uma excelente associação e a capacidade revelada pelos empresários, onde o meu amigo Fortunato Frederico, presidente da APICCAPS, é um excelente exemplo, permitiram ao calçado fugir do modelo de mão de obra barata, que não tem futuro em Portugal porque haverá sempre outros países com mão de obra mais barata que a nossa, e apostar naquilo que na altura designámos na política industrial portuguesa por fatores dinâmicos de competitividade. Temos empresas neste setor com melhor tecnologia e capacidade que os italianos, que eram a referência no calçado de gama alta. Outro excelente exemplo foi o avanço para a produção de máquinas e equipamentos para a indústria de calçado, como aconteceu com um conjunto de novas empresas em S. João da Madeira. Enquanto a concorrência asiática esmagava aí o calçado da gama baixa, os produtores de bens de equipamento compensavam isso com a produção e venda para a China e outros asiáticos desses bens de equipamento, tal como os alemães e os italianos já faziam nos bens de equipamento para o setor têxtil.